PRESENTE DE NOEL
Bia Lelles
 
 

- Mãe, você não acha que o Papai Noel é um idiota? – disparou João.

- Hã?

- Pensa um pouco: quando fomos pra Bahia levamos um monte de roupas de calor, porque lá faz muito calor, certo? Mas se formos pro Pólo Norte levaremos muitos casacos de peles porque lá faz frio pra caramba...

- Sim, aonde você quer chegar? – perguntou a mãe um tanto incrédula diante daquele raciocínio lógico.

- Tem que ser muito burro pra vir entregar presente no Brasil vestindo a mesma roupa que se usa no Pólo Norte! Fala sério, mãe, esse Papai Noel é um tonto!

Na sabedoria de seus oito anos, João passava os dias tentando entender os prodígios do mundo moderno. E surpreendia-se com coisas improváveis como a vestimenta do Papai Noel. Achava realmente inconcebível que ele passeasse por aqui, num calor de 35 graus, vestindo aquela roupa vermelha, enormes botas pretas, sem contar a imensa barba que devia lhe sufocar. Só de imaginar sentia calafrios...

Desde o ano anterior vinha desconfiando da existência do bom velhinho. Ainda não tinha provas, mas aquele barbudo do shopping era meio desbarrigado e o outro que andava no calçadão tinha a voz muito fina. Ele pensava, pensava... Questionava a mãe, interpelava o pai, mas ninguém confirmava suas suspeitas.

Pelo sim, pelo não escreveu a cartinha com os pedidos: a lista nem era tão grande. Talvez os outros meninos fizessem listas muito grandes e Papai Noel precisasse de ajudantes disfarçados para atender todos os desejos. Assim jurava sua mãe.

Mas naquele ano, algo estava diferente. João sentia que se não visse pessoalmente, na noite de Natal, aquele ser encantado entrando pela janela (já que sua casa não tinha chaminé) algo iria se perder. Seu coraçãozinho andava sobressaltado diante da possibilidade de uma iminente farsa.

Depois da ceia com a família brincou um pouco com os primos e foi para a cama. Tudo estava preparado. Esperou que todos dormissem e desceu as escadas na ponta dos pés. Imaginou o trajeto que Papai Noel faria para colocar os presentes debaixo da árvore e amarrou uma linha quase imperceptível atravessando o local. Pendurada nela, o sininho do seu trem de pilha lhe avisaria quando ele tropeçasse. Sentiu-se um gênio da espionagem.

Ligou a TV e a deixou sem som: queria ouvir qualquer barulho por menor que fosse. Por um momento achou que tivesse ouvido um sino tocando, desceu correndo as escadas, mas o alarme falso só fez seu coração sair aos pulos. As horas foram passando e nada de Papai Noel aparecer... João tinha os olhos cansados, ardendo de sono, o travesseiro macio era convidativo... Por mais que tivesse resistido entregou-se ao sono insistente e dormiu com uma lágrima brotando nos olhos.

Já quase ao raiar do dia, Alfredo passou pelo quarto de Clarinha e depois deu uma espiadinha em João, ambos pareciam dormir profundamente. Tirou os presentes do esconderijo e desceu sorrateiro até a sala. Um sorriso lhe estampava o rosto, grato por manter vivo o espírito de Papai Noel. Enquanto arrumava os presentes na grande árvore, agradecia a Deus pela saúde dos filhos, pela alegria contagiante de seus sorrisos, pela família feliz que construíra apesar das dificuldades. Ainda com nó na garganta levantou-se em direção à cozinha e antes que percebesse... Plaft! Estava estatelado no chão! Ainda tonto com o tombo, sem entender o que o havia derrubado, chacoalhava os pés onde alguma coisa estava enroscada. Só conseguia ver o brilho do sininho que tilintava sem parar.

Em segundos percebeu a artimanha do filho e rapidamente se desfez das linhas que prendiam seus pés. Mal se livrou delas e ouviu passos hesitantes na escada, engatinhando fugiu para de trás do sofá.

João desceu devagar, sonolento, degrau por degrau. Já era quase dia e aquele lusco-fusco lhe turvava a visão. Ajoelhou-se perto da árvore luminosa e agarrou seu presente, um grande pacote azul com fita dourada.

- Pai? – chamou numa voz indecisa – Pode sair do esconderijo.

Alfredo levantou-se emocionado, numa tristeza profunda por ter acabado com a crença do filho.

- Eu tentei segurá-lo quando ele saía pela janela, mas não deu tempo, aí...

- Pai! – interrompeu João, olhando o pai sem acreditar naquela história mirabolante.

- Você me viu, não é? Me viu colocando os presentes... Desculpe filho, tudo o que eu não desejava era estragar seu Natal... – as lágrimas lhe desciam pela face. Não tentou impedi-las.

- Não vi você, não... – disse calmamente João – mas sei que Papai Noel não passou por aqui. - Alfredo enxugou os olhos num misto de amor e confusão. – Eu pedi a ele, na minha cartinha, que lhe desse um novo emprego, que trouxesse mais freguesas pro salão da mamãe e uma boneca com chupeta pra Clarinha. Mas eu disse pra você que tinha pedido um carrinho de controle remoto, papai. Juro que não fiz por mal.

Num abraço forte e emocionado, Alfredo prometeu ao filho que Papai Noel realizaria seus desejos. E na manhã do dia 26, enquanto todos se curavam da ressaca, ele acordou mais cedo, vestiu seu melhor terno e foi em busca do presente que Papai Noel havia deixado para João, escondido em alguma empresa da cidade.