BOLHAS DE SABÃO
Carla Deboni
 
 

Das minhas angústias nada sabem as bolhas de sabão que preguiçosamente lanço no ar. Uma, duas, três... conto-as como os carneirinhos que me embalavam as noites infantis. É como se na banheira meu corpo acreditasse que está de volta ao ventre materno, e que a bolsa amniótica jamais se rompera.

Ah, esse corpo que dizem meu e que olho como se não mais fosse minha casa. Estranho os prazeres que ele já me proporcionou, e mais sinistras ainda as dores que me fazem contorcer quando me lembro do último pôr-do-sol despido.

A toalha está longe, e é com liberdade que o sabonete insiste em deslizar pela pele ainda fresca do amor. Quero tirar todos os vestígios dessa loucura de mim, e até a tatuagem esfrego com fervor na ânsia de apagar o nome que já me tatuou a carne há tempos.

Não, vou continuar na banheira até os dedos enrugarem e eu acreditar que envelheci, que anos se passaram e que tudo já se foi. Até quando? Esperemos a gota d'água.