O CONVITE
Maria Cláudia Gaiannes
 
 

Ele perdeu uma noite inteira pensado, se bem que talvez não seja certo dizer “perdeu”, vamos dizer: Ele passou uma noite inteira pensando em como recusar, o mais educadamente possível, o convite de Alícia. Não seria nada fácil, inevitavelmente ela se magoaria, pois ele sabia que não tinha sido fácil para ela criar coragem e convidá-lo, mas ela enfim, depois de muitos sufocamentos, havia criado coragem e o havia convidado.

Agora ele precisava fugir, não havia outra solução, sequer havia outra cogitação, ele precisava fugir, o mais discretamente possível, é claro! Então poderia ser uma doença, sim, uma doença sempre é uma boa desculpa, um mal repentino e fulminante, que o jogaria na cama e o impediria de qualquer “diversão”. Pronto a desculpa estava arrumada, não era mais preciso gastar o tempo de seus pensamentos com isso.

Porém, escapar de uma mulher repleta de desejos, e dotada de inteligência suficiente, não é tão fácil assim.

No outro dia, Alícia quase prevendo o mal que se aproximava, vindo da pouca imaginação de Sérgio, acrescentou ao seu cumprimento de bom dia: “É melhor levar um guarda-chuva, o tempo está querendo mudar, não vá adoecer para o nosso encontro de amanhã!”, ao que ele mecanicamente respondera dentro de um sorriso amarelo: “Não se preocupe!”

Estava desfeito o plano perfeito! Claro, não poderia ser tão simples assim! Agora era gastar os neurônios em uma luta frenética contra o tempo, ele tinha cerca de trinta e seis horas para fugir, morrer, dissolver-se no espaço sideral! E as trinta e seis horas passaram depressa, muito mais depressa que as horas normais.

E lá estava ele, com uma boa calça e uma boa camisa, tocando a campainha da casa de Alícia. Ela abriu a porta tão desajeitada como sempre, estava com um perfume suave de quem tinha acabado de tomar um delicioso banho, Sérgio sentiu e achou bom. No entanto, ela não estava com roupa de sair, estava de chinelos e camiseta, ele não pensou muito e morrendo de medo da resposta perguntou: “Você está pronta?” – Ela respondeu: “Sérgio desculpe, mas você se importaria se ficássemos aqui em casa mesmo, eu peguei um filme, posso fazer um jantar...”

Ele respondeu que não havia problema, achando que ali estaria mais seguro, um ambiente fechado, que logo ele percebeu ser limpo e agradável, sem que ninguém os pudesse ver, parecia bem melhor! A comida foi ótima, um macarrão com molho de ervas finas tão suave, tão leve, como ele nunca imaginou que um macarrão pudesse ser!

Depois se aninharam no sofá para ver o filme, e uma idéia apavorante pousou na cabeça de Sérgio: o filme. Certamente ela havia pegado um daqueles filmes melosos de amor, e certamente também ela esperaria que ele a beijasse em algum momento muito romântico da tela, mas não, isso não aconteceria, e instintivamente ele se levantou e foi para o outro sofá. Ela percebeu os pensamentos dele e, sem que ele percebesse, ela trocou o filme que estava pondo por outro, pois como uma pessoa inteligente, ela sempre tinha um plano B.

Um filme de terror dos mais aterrorizantes foi o que começou a passar. Depois de vinte minutos de filme, quando Sérgio percebeu que não haveria perigo, ele voltou para o sofá grande, junto dela, que era bem mais confortável! Cenas de suspense, Alícia parecia segurar um riso, que explodiu numa cena culminante de terror.

“Meu Deus! Ela ri em filmes de terror!” – Pensou Sérgio olhando desconfiadamente para ela. “Desculpe! Eu sempre dou risada em filme de terror, sou assim desde criança!” – Disse Alicia, muito acanhada. Ele achou graça, e achou graça no filme também, até que num momento do filme onde um espírito maligno arrancava o coração da mocinha, os dois explodiram numa gargalhada!

As duas horas de filme passaram rapidamente, assim como a hora do jantar, muito mais rápido que as horas que as precederam, pois o prazer, muito mais do que a ansiedade, nos leva o tempo! Alícia foi levar Sérgio até a porta, sem esperar nada, Sérgio também não esperou mais nada, quando percebeu que ela não esperava a tomou em um beijo violento.

Alícia fechou a porta e foi dormir, Sérgio ainda se recuperava, tentava se entender e não se entendia, apenas sentia que seu coração agora esperava um novo convite.