ERUDIÇÃO
Doca Ramos Mello
 
 

Salvador Mumunha, declarado amigo das primeiras horas, malandro bom das pernas, achou por bem alertar o cidadão, veja bem, você não conhece direito as paradas aqui, tome tento, nem sempre o babado é o que parece ser, combinado? Um dia, Mumunha dar-se-ia conta, ainda que por vias de fato, que não carecia aviso nenhum, antes...

O francês branquinho de olhos azuis apertados no fundo das faces tinha um jeitão próprio das estranjas, aparentava certa ingenuidade até, mas aboletou-se no pedaço com incrível facilidade e, apesar dos conselhos de Mumunha, não cogitou resistir jamais. Assim, afiançava ter-se amulatado por completo, o que dizia atracado à cinturinha de vespa de Rosinete Toda Boa, rainha da bateria da escola e da mulatagem daqueles morros e cujos dentes branquíssimos exibia à farta na igual medida em que alimentava pretensões de estabelecer-se de frente para a tal Torre Eiffel, de que tanto lhe falava o namorado estrangeiro.

Mumunha confidenciava sua preocupação com a questão do “peso da areia versus tamanho do caminhão”, mas o francês lhe assegurava botar muita fé no número de viagens. Além disso, relaxasse o amigo porque... Reticências longas e enigmáticas.

O francês tinha seus ardis. Já portador de um português inchado de erres, apelava para rebuscamentos e rococós impressionantes para aquela comunidade, besta com a cultura do moço. Nada rogado, ele caprichava: era Proust, Hegel, Sócrates (dizia altas coisas sobre Xantipa!), pintura neoclássica, canto lírico – que Toda Boa atribuía a uma flor, o lírio – tal e coisa, coisa e tal. E ainda recitava Pessoa, sujeito desconhecido por aquelas paragens, mas imediatamente reverenciado: o francês falou, o francês sabe.

E dá-lhe Robespierre, Bacon, Da Vinci, Einstein, Darwin...Um espanto! De citação em citação, foi-se incorporando ao meio mulato, onde viveu intensamente as delícias do corpo moreno de Toda Boa, apaixonado em especial por seu traseiro sólido e bem desenhado. Generoso, curtiu também as amigas da moça, suas parentas, a vizinhança em peso, tendo deixado em polvorosa o mulherio local.

Quando Toda Boa o assaltava com a cobrança das flores de laranjeiras, o ouro no anular esquerdo e, ulalá, o apê de frente para a tal Torre Eiffel, o francês se esquivava alegando estar em fase de experimentos interessantes e “perriodiques” na exótica e “luxurriante” vida tropical. Toda Boa só foi atinar com o sentido dos termos quando já era tarde demais... Pirulitou-se o moço, um dia, sem aviso prévio nem mensagem de adeus.

De volta ao berço, o francês prossegue na erudição, acrescentando ao estilo certa malemolência adquirida na tal experiência exótica. Costuma dizer aos conterrâneos que aderiu aos ensinamentos de importante filósofo cantador, certo “monsieur” Josecá Du Petit Pagodé, bardo de terras longínquas e pródigas em mulatas lindíssimas, por isso mantém-se dentro do lema “deixa a vida me levar, vida leva eu”. Vivendo e aprendendo, c’est la vie.