SELVA DE PEDRA
João Rodrigues
 
 

Era um dia chuvoso. Um daqueles dias em que a cidade fica com um trânsito caótico, lento, quase engarrafada, com motoristas estressados, buzinando, xingando a Deus e o mundo. Um motoqueiro passa ao seu lado, entre os carros, e fala qualquer coisa, um palavrão, talvez. Assustou-se. Acho que estava distraído, pensando como era viver num mundo maluco feito esse. Continuou a caminhar meio sem direção, ou sem preocupação. Provavelmente, ainda não havia se dado conta de que estava numa cidade grande, numa selva de prédios e pedras, asfalto, caminhões e ônibus, e outras parafernálias com as quais ele não estava acostumado.

Chovia, mas o tempo continuava abafado, sem vento; assim como eram abafados os seus pensamentos. Uma mistura de lembranças saudosas e de alívio. Fizera bem ter deixado sua terra natal e tentar a vida em outra cidade. Sim, o homem precisa conhecer o mundo, experimentar, tentar, lutar, vencer... perder, enfim. Tudo isso faz parte das regras do jogo da vida, da busca, da conquista, ou da derrota. É preciso correr o risco. A vida é muito curta pra se aprender tudo, é verdade, mas longa demais pra não se aprender nada.

Nenhuma mangueira ou cajueiro, nenhum riacho ou passarinho cantando. Ali não havia nada disso. Um motorista grita para que preste atenção por onde anda. Levanta a cabeça. A rua cheia de automóveis com homens trancados lá dentro, as janelas ao seu lado fechadas e com grades, pessoas andando quase correndo sem olhar para os lados, sem falar com ninguém, ignorando tudo e a todos. A cidade grande, a loucura, o caos. Que mundo era aquele? De que valeria viver assim, trancado, estressado, sem contar um “causo”, sem dividir uma pitada de cigarro, sem uma pequena xícara de café fresquinho?

Estrangeiro, sentou-se na beira da calçada e deixou-se molhar pela chuva, sentindo na pele cada pingo d’água, absorvendo cada frescor que escorria em seu corpo, trazendo as lembranças de uma vida sem cercas, sem grades, sem restrições. A chuva. A única ali que não lhe era estranha. E continuava só, cercado por milhares de pessoas, tão sozinhas quanto ele.

E a chuva lavava suas lágrimas, que lavavam sua alma, que sentia pena da vida, que há tempos morrera por falta de liberdade.