KATRINA E CARLOS
Leila Silva Terlinchamp
 
 

Katrina esperava Carlos na frente do cinema. Ele estava, como sempre, atrasado. Sabia que ele ia odiar o cinema e o filme, mas não tinha importância, com o tempo ele aprenderia a ver outras coisas além de Rambo e Duro de Matar. Ponderou e olhou para o relógio, faltavam cinco minutos para o início da sessão. Ele, finalmente, apontou na entrada.

_ Que é isso? Que espelunca? Reclama usando uma frase em francês e outra em português.

_ Bom dia, primeiro, não? E lhe informo que está atrasado. Qual é o problema com o cinema?

_ É sujo, feio. Fica escondido, é por isso que estou atrasado.

_ A sua casa é mais limpa por acaso? Eu te falei que ficava do lado da Galerie de la Reine.

_ Eu conheço a rua, mas nunca tinha visto esse cinema por aqui. Que lugar estranho.

_ Pelo menos aqui você vai ver alguma coisa que vale a pena.

_ Posso imaginar. Isso não é um cinema pornô?

_ Não, não é. Perca as esperanças.

_ Jesus ! E essas cortinas. Disse atravessando as placas de plástico grosso que serviam de porta à sala de projeção.

_ Acalme-se um pouco, por favor, senão vai me matar de vergonha.

_ Que filme é esse que a gente vai ver?

_ E um filme de Lars Von Trier.

_ Poderia repetir, por favor!

Ela ri. Já está acostumada com o cinismo e má vontade dele.

_ Vai ser bom, você vai ver.

_ Como é que você sabe se ainda não viu o filme?

_ Deixa de ser chato. Eu já vi outros filmes dele e gostei, além disso, uns amigos recomendaram. Relaxa e fica em silêncio se não quiser que lhe cortem o pescoço.

Quando o filme terminou saíram calados e foram comer uma torta no pequeno restaurante ao lado do cinema. Ele acendeu um cigarro, olhou para ela e perguntou:

_ E então, eu sou uma melhor pessoa agora?

_ Como?

_ Agora que eu vi esse filme tãããão maravilhoso, eu sou uma melhor pessoa? Insistia no seu francês enrolado.

_ Não é isso, Carlos. Será que é tão difícil assim para você entender? Não é que você vá se tornar uma pessoa melhor ou pior por

causa disso. A questão é por que não ver uma coisa diferente de vez em quando? É uma outra visão de mundo, outra forma de ver as coisas. Os filmes americanos, sobretudo os que você vê, são todos iguais, previsíveis. Você vê a primeira cena e já sabe como vai terminar o filme.

_ Eu não sei.

_ Não sabe? Nem sei o que te dizer, então. Talvez fosse melhor eu te deixar mesmo em paz.

_ Não, eu só queria que você me dissesse o seguinte, eu sou uma pessoa melhor porque vi esse filme?

_ Não sei...Não é essa a questão. Considere pelo menos o seguinte, eu já fiz um esforço e fui ver as suas porcarias com você, porque é que você não pode fazer o mesmo? Diga uma coisa, todos os brasileiros são como você?

_ Caramba! Já vai começar a insultar, é?

_ É um insulto perguntar se todos os brasileiros são como você?

_ E todas as alemãs são como você?

_ Não, não são e não vejo isso como insulto, percebe?

_ Eu sei muito bem o que você quis dizer.

_ O que foi que eu quis dizer?

_ Você quer dizer que eu sou burro só porque não gostei desse filme com um bando de idiotas, aliás, a única coisa certa desse filme é o nome, os idiotas. Pois é, um bando de idiotas se fazendo passar por retardado mental pra encher o saco dos outros.

_ Primeiro, eu não disse que você é burro. Segundo o filme não é só isso. São pessoas descontentes com a sociedade na qual vivem….

_ Descontentes hein? Manda esse bando de vagabundo trabalhar uns dias lá no Brasil que eles vão voltar muito contentes com a sociedade deles.

Ela ri, come mais um pedaço de torta e dá o assunto por encerrado.

_ Quer um chá? Pergunta Katrina.

_ Chá? Eu não estou doente.

_ Você só toma chá quando está doente?

_ Praticamente, e ainda assim de má vontade. Vou tomar um cafezinho.

_ Falando em ´doente`, você tem notícias do seu pai?

_ Ele está melhor. Eu telefonei para a minha mãe ontem. Como dizemos no Brasil, ‘vaso ruim não quebra fácil’.

_ O que quer dizer isso?

Ele explica como pode o sentido da expressão, pedem a conta e caminham até o estacionamento onde Katrina tinha deixado o carro. Dirigem-se à casa dela e quando passam em frente ao bar onde os amigos de Carlos costumavam beber, ele abaixa-se e finge que está procurando alguma coisa. Ela ri porque sabe a razão. Ele não quer que os amigos o vejam de passageiro com uma mulher ao volante. Ele mesmo já lhe contou que eles o aborrecem ‘Vimos você com a sua namorada de carro e era ela que tava dirigindo!’

_ Você é mesmo muito bobo, Carlos.

_ Bobo por quê? Pergunta ele irritado.

_ Porque você está aí disfarçando, eu já percebi.

_ E por que é que você tem que morar justamente aqui onde eles moram? Bruxelas é bastante grande.

_ Desculpe, mas acho que eu vim pra cá antes deles, ok? Que tal a gente ir tomar um cafezinho lá no bar? Propõe Katrina.

_ Que tal a gente ir pra sua casinha, ficar em paz, dar uma bimbada e depois dormir.

_ Você está falando português, francês ou chinês? Eu não entendi nada do que você disse.

_ Está na hora de você aprender um pouco de português, não?

_ Eu acho que está na hora é de VOCÊ melhorar o seu francês, meu querido, porque você não está no Brasil. E nem eu, porque é que eu tenho que aprender português?

_ Porque é a minha língua, ora essa, e se um dia a gente tiver filhos.

_ Ahhhhh, esqueça essa parte.