BÁRBAROS
William Stutz
 
 

Praia lotada, sol a pino. Pouco se vê da faixa de areia. Um tapete multicolorido de guarda-sóis como uma plantação de cogumelos gigantes se esparrama em semicírculo sufocando a orla. O barulho infernal de rádios e toca fitas abafa o murmúrio delicado do vento e o infindável quebrar das ondas, que, aparentemente assustadas com a multidão se apressam em maré baixa, quanto maior a distância melhor. Não resolve. A cada palmo de areia produzido pelo recuo inevitável das águas, nova semeadura de cogumelos de pano e gente, muita gente.

O ensurdecedor som eletrônico, numa mistura intolerável de estilos e gostos, mau gosto, é alucinante, de sertanejo a reggae, brega chic e sambinhas, funk quebra-barraco e falcões latinos. Tudo misturado e alto.

As aves por falta de árvores se apinham, lado a lado em pânico silencioso em parapeitos de prédios. Mães à milanesa aos berros com crianças com baldinhos e bóias. Pais sonolentos de calção e camisa pólo. Cerveja e churrasquinho murmuram palavrões irritados.

No mar jet skis manobram perigosamente entre humanos de narizes brancos de pomada. Os corais submersos escondem peixes de olhos arregalados e paralisados de medo.

Volta e meia dentre os panos redondos despontam estandartes bizarros alguns com camarões mumificados espetados cheirando a fumaça e cebola sempre seguidos por bando de moscas a lutar contra as poucos e raras rajadas de vento que milagrosamente conseguem romper a barreira humana e seus acampamentos de lazer. Outros desfilam por sobre a falsa sombra melosos chumaços de melados algodões doce.

O perfume da maresia é substituído por impensável fusão de colônias, cremes protetores, bronzeadores, suor e álcool.

Algazarra de um dia inteiro. Invasão destruidora, nociva. O vermelho da tarde anuncia uma debandada geral, como decompositores saciados a horda se retira rumorosa. Bêbada, cansada, ardendo em rubra pele.

Aos poucos novamente se ouve a brisa e as ondas, um guruça de olhos em pé lentamente se aventura para fora de sua toca, hoje particularmente fez jus a seu apelido, caranguejo fantasma, passou um dia inteiro invisível. Ensaia tímidos passos em direção à água, estica o pescoço que não possui, observa. Montanhas de destroços espalhados ao longo de toda a praia, restos de um saque ou de um banquete dantesco. Silêncio e breu. Com repugnância o pequeno estica as patas para o mar-óleo ainda gelatinoso. Sinais dos tempos, sinais dos ventos. Mergulha prendendo a respiração.