O RIO
Elói Pereira de Melo
 
 

No escritório em uma tarde monótona de verão, um calor insuportável, a ausência de clientes, um abatimento melancólico, o pensamento nos deveres como bom cidadão, sempre procurando honrar os compromissos, e ao cair da tarde, e a aproximação de um novo dia, a angústia de parar o tempo, que penso não ser possível retratar em um papel.

Um ruído no portão, e de súbito estava um homem em pé em minha frente. Pedi-lhe que sentasse. Um cliente antigo fiel e humilde. Fiquei um pouco melhor com a sua presença. - Quero somente uma informação.

Com o decorrer da conversa veio o assunto de pescaria, e nomes de rios que foi me perguntando se conhecia. - para pescar de barco ou de barranco?

E o Gessy, realmente conhecia muito bem o que falava. - Se você olhar de frente para Baia, meu sogro, morava do outro lado, levando uma vida muito dura como pequeno pescador, sem meios até para a subsistência.

Acabara de chegar, trazendo consigo, a filha mais velha, e três meninos. Passariam o final do ano com ele. Tirou as bagagens, pois havia dirigido algumas horas, um sol escaldante de pouco mais de meio dia. O que mais queria era arrancar os sapatos, a roupa, e respirar com um pouco mais de liberdade.

Em todas as ocasiões acompanhava os filhos até o rio. Entrava até onde sentia os pés tocarem o fundo, e demarcava uma área para que brincassem sem perigo aparente, permanecendo enquanto havia uma criança na água.

Desta vez o cansaço tomava conta de seu corpo. Chamou os pequenos e ordenou que não fossem ao rio. - Podemos ir jogar bola, perguntou um. - Bola sim, rio não.

E lá se foram os moleques, com os primos, e mais alguns filhos dos vizinhos. Na casa um silêncio total, ambiente adequado para uma pequena soneca na rede. Gritos estridentes o fazem despertar assustado. O filho mais novo de cindo anos chega correndo. Maria desapareceu no rio.

O pai salta desesperado, e corre para lá. - Onde foi? - foi ali. - Foi lá. Os e os minutos saltavam, era uma corrida contra o tempo.

Um pescador passando com uma velha canoa, disse ter visto duas meninas se afogando , uma conseguira salvar, a outra não.

Segundo os pescadores, era um dia de maré ruim, e não poderiam ter entrado na água. Após sucessivos mergulhos a espera de um milagre, e nada feito. O rio estava ali com suas águas paradas e turvas, não parecia apresentar nenhum esconderijo, o que aumentava a angustia da procura, e agora uma corrida contra os segundos.

A velha canoa deslizava sobre as águas, e com um pedaço de bambu, a tentativa do velho de tocar em alguma coisa diferente no fundo, pois com sua experiência e sensibilidade nas mãos estava depositada a última chance. Após uma hora e meia de procura. - toquei em alguma coisa macio, pode ser ela.

O sobrinho, menino nativo da região, disse que ali dava uns oito metros de profundidade, soltou um anzol que enroscou levemente na pele do braço, trazendo-a até a superfície, já com oslábios e os olhos comidos pelos siris.

Um rápido banho. Com água, sabão, e lágrimas. Os bombeiros a levaram. E, antes mesmo de o dia terminar , a menina de dezenove anos, linda como um botão de rosa, as faces avermelhadas, repousava em seu caixão, deixando um casamento marcado, talvez para outra existência, e a data de vinte e oito de dezembro marcada para os irmãos e mais para o pai que diz lembrar como se fosse hoje, e que todos os finais de ano são iguais. Marcado por um diferencial: a dor.