MINHA VIDA DE MADAME
Patrícia da Fonseca
 
 
Não sei porque eu comecei a namorar o Renan. Nós éramos completamente diferentes em tudo. Quem nos apresentou foi meu irmão, em uma noite em que eu tive a infeliz idéia de ir visitar a minha mãe e encontrei a casa dela virada em uma roda de pagode. Mais Brasil impossível. E eu odeio pagode, churrascada, cervejada, ajuntamento de gente berrando e afins. Portanto, cheguei na hora mais errada de todas. Mas antes de conseguir dar o fora, meu irmão já havia me puxado para o meio do povo e então meus olhos bateram com os do Renan. Me perdi.

Naquela noite saí tarde da casa da minha mãe. Eu tinha duas cirurgias marcadas para o dia seguinte, mas o moreno jambo do Renan me hipnotizou durante horas e só não dancei pagode porque fiquei com vergonha.

Dali para frente, minha vida se tornou uma torrente de emoções e conflitos. Parei de freqüentar as peças de teatro com meus amigos cultos para ir a ensaios de escolas de samba. No início, logo no primeiro convite, recusei veementemente. Eu? Numa quadra de escola de samba? Jamais. Não era meu estilo e nem meu modo de vida. Porém, já no segundo convite, resolvi aceitar. Não era interessante eu deixar o Renan desfilar e sambar sua simpatia pelas quadras alheias. E a mulherada? Elas não deixariam o Renan passar sem que ele levasse um beliscão na bunda.

E lá fui eu, com meus saltos altos, meus cabelos escovados, mais perdida que cego em meio de tiroteio para saracotear na escola de samba do coração do Renan. E as partidas de futebol, então? Da primeira vez que fomos ao estádio, eu fiz questão de pagar as entradas para que a gente ficasse comodamente sentados nas cadeiras. Foi o fim. O meu namorado parecia um leão enjaulado. O negócio dele era a geral mesmo, bem no meio do povo. Ai, meus sais... E lá fomos nós, no domingo seguinte, vibrar no meio daquela gente suada, berrando palavrões, se empurrando e gritando gol como se aquele joguinho sem graça fosse alguma decisão de campeonato mundial. Por favor! Pior de tudo era ver o Renan se descabelando, suando e gritando impropérios para o juiz. Quanta educação. Meu mundo caiu quando eu vi um paciente meu há poucos metros de onde eu estava, que era provavelmente o lugar mais desbocado de todo o estádio. Me encolhi no meio da torcida para não ser vista.

Levar o Renan ao teatro era demais. Ele nunca foi, não adiantou eu jogar na sua cara que eu freqüentava todas as rodas de pagode, todos as partidas de futebol, nada foi suficiente. Eu coletava opiniões de todos os tipos. Alguns achavam que eu tinha que acabar com aquele namoro sem futuro. Já meu irmão achava que o Renan era o ideal para que eu rompesse com meu comportamento sério de médica de sucesso e me “abrasileirasse” de vez. Bem que tentei me adaptar ao jeito tão brasil do Renan. Mas sem condições. Depois que eu me agarrei aos tapas com uma morena linda na quadra da escola de samba porque ela passou a mão no meu namorado e fomos parar as duas na delegacia, mandei o Renan plantar coquinho. Nesta altura do campeonato, é melhor eu continuar com a minha vida de madame.
 
 
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