PAI
Adão Jorge dos Santos
 
 

Não me resta muita coisa nesta vida. Fiz muita coisa errada e muita coisa boa. Não posso dizer que o que eu vivi foi em vão. Tive boas oportunidades na vida. Mas quando se é jovem a gente quer tudo na hora, não temos paciência para esperar os resultados.

Hoje vivo das lembranças do passado. Vivo de todas as coisas boas que me aconteceram, e das ruins também. Já tive uma família, um pai, uma mãe e muitos irmãos. Meu pai e minha mãe trabalhavam muito. Meu pai era um cara legal, trabalhava pra burro o coitado, sempre chegava cansado em casa e ás vezes discutia com minha mãe que reclamava da vida difícil que levava. Mas sempre que podiam, eles me davam algum presente. Mas eu queria o que as outras crianças tinham.

Uma vez eu perguntei pro meu pai porque ele não podia me dar tudo o que eu queria, ele me disse ganhava pouco e que por isto não podia me dar o que eu queria. Então eu retruquei e disse que preferiria ter nascido em outro lugar, em outra família que não fosse esta miserável que vivia. Meu pai baixou os olhos e disse que não podia fazer nada para mudar aquela situação, que não iria roubar ou fazer alguma coisa errada, disse que nascera honesto e que honesto morreria, por isto queria que eu estudasse para não seguir os seus passos. Eu olhei para ele e fiquei com tanta raiva na hora e disse a ele que não seria tão honesto assim, que faria de tudo para me dar bem na vida. Então eu virei as costas todo feliz por ter dito a ele algumas verdades que me incomodavam.

Não demorou muito tempo eu saiu de casa. Havia encontrado na rua meus amigos de verdade. Não estudava mais. Pra que estudar. Meu pai vivia dizendo que o estudo pode mudar a vida de um homem, que eu deveria estudar para ser alguém na vida. Ser alguém pobre que nem ele eu não queria. O fato é que na rua nada consegui de bom, eu vivia me escondendo da policia e das outras gangues que perambulavam pela rua em busca de espaço para o crime. Eu me lembro de casa quando estou dormindo em baixo das pontes ou nos bancos das praças, quando sinto frio ou quando a chuva castiga o meu corpo na rua.

Eu tinha uma cama quente, comida e roupa lavada, tinha amor e carinho dos meus pais, tinha tudo que um menino da minha idade poderia ter. Claro que não era nenhum luxo, mas era a minha família. Houve um tempo em que tive tudo de bom da vida. Tive ate uma família, mas as drogas e as más companhias não deixavam eu ser alguém na vida.

Voltei para a rua e hoje estou no presídio. Não tenho cama, não tenho coberta, não tenho amigos, não tenho carinho, não tenho nem onde encostar meu corpo adoentado, não tenho nada de meu, não sou nada.

Um prisioneiro velho me disse uma vez que nada é mais implacável do que a memória. Tudo o que a gente fez de bom ou de ruim nesta vida, fica armazenado para sempre na nossa memória, e as lembranças um dia vem nos acordar durante a noite, vem com toda a força e nos faz reviver e sentir tudo outra vez. Mesmo preso e algemado, sofrendo para não morrer de repente na mão de um criminoso qualquer, lembro do rosto triste de meu pai quando me olhava, ele sabia o que eu seria, os pais sempre sabem destas coisas. Agora entendo profundamente a dor que consumia meu pai. Ele sabia que suas palavras só fariam sentido no futuro para mim. E eu não teria mais o seu ombro amigo para chorar. Queria voltar no tempo ao menos para pedir a ele desculpa pelos erros cometidos, e tentar tirar a culpa que ele sentiu por achar que não soubera me educar corretamente. Pai eu escolhi o caminho errado, a culpa foi minha, o senhor fez a sua parte, eu é que não fiz a minha.

É isto o que me resta nesta vida. esta memória implacável que me persegue todas as hora do dia e da noite. Ás vezes eu queria não lembrar, mas eu errei e este é o preço a pagar.