O SABE-TUDO
Andrea Natali
 
 

Tinha um cara na minha escola que era o chato. Sabia tudo. Uma memória de elefante. Quando a professora fazia uma pergunta na sala, nem dava tempo de outro aluno levantar a mão para responder, que ele já dizia a resposta.

O nome dele era Élcio. Um nerd completo: usava óculos fundo de garrafa, tinha umas perninhas que pareciam dois palitinhos, desajeitado, todo mundo ria dele, coitadinho. Mas ele era inteligente e isso ninguém podia negar. Tinha uma memória que parecia uma enciclopédia ambulante.

No fundo, eu ficava com pena do Élcio. Ele estava sempre sozinho no recreio, comendo o seu lanche e estudando. Como ele não fazia muita amizade, as más línguas (crianças também são fofoqueiras) diziam que o seu pai, um engenheiro nuclear de uma grande empresa, o obrigava a estudar muito porque queria vê-lo na NASA e para trabalhar lá tinha que ser muito inteligente.

Eu não sei o seu paradeiro hoje, mas naquela época ele podia brincar um pouco mais. Nem nas aulas de educação física ele se dava bem. Jogando basquete, então, era lamentável! A bola caía na cabeça dele direto. Algumas vezes, o professor ficava com pena dele e o dispensava.

Eu estudei com o Élcio durante muitos anos. Percebi seu crescimento à distância, pois ele não tinha amigos. Achava a memória dele o máximo! Queria saber tudo o que ele sabia. Queria que os professores perguntassem para mim tudo o que perguntavam a ele. Élcio era um gênio e eu simpatizava com ele. Era como uma paixão platônica pela memória dele... Como eu queria a memória dele pra mim!

Quando entramos no ginásio, o pai dele foi transferido para Angra dos Reis e, com o pai trabalhando longe, a família teve que ir também. Quem mais sentiu falta do Élcio eram as professoras. Elas já não tinham mais ninguém que sabia de tudo, toda a matéria – inclusive a que ainda não tinha sido dada – para tirar dúvidas da classe. Mas tenho que confessar que também senti falta do Élcio. Ninguém mais tinha aquela memória espetacular.

Os demais colegas não sentiram a falta do Élcio. Desengonçado, sério e feio, ninguém lembrava dele. Só lembravam para zuar com o “fundo de garrafa”.

O tempo passou e no colegial, mocinhos e mocinhas, tivemos uma bela surpresa. Apareceu um rapaz novo, bonito, super inteligente, capaz de arrancar suspiros das moças e das professoras. Era o Élcio. Sim! Transformado! Forte, bonito, bem vestido, ai, ai, ai... Não dava para acreditar. Como aquela coisinha feia virou um mar de beleza? Só Deus poderia responder aquela pergunta. Coisas da natureza.

Bom, as meninas que, até então, nunca tinham olhado para ele, choviam em cima do Élcio. Pediam para tirar dúvidas, esclarecer problemas, ajudar nas lições de casa, tudo para elas ganharem um olhar do bonitão e inteligentíssimo, Élcio. E o danado adorava!!! Criou até um grupo de estudos para “ajudar as mocinhas da escola”. Ridículo!

Eu acabei indo para esse grupo de estudos. Não que eu tivesse dúvidas sobre as matérias, mas a minha paixão platônica pela memória do Élcio continuava. Achava lindo ele proferir suas aulas. E o pior é que ele estava cada dia mais bonito!

Meu último ano no colégio, antes de prestar vestibular, foi freqüentando o grupo do Élcio. Nunca falei nada para ele da paixão platônica que sentia por ele e por sua memória. Mas o ano todo passou assim: eu olhando para ele, admirando sua inteligência e ele retribuindo os olhares.

Na festa de formatura, nem preciso dizer o quanto ele foi ovacionado. Foi mais aplaudido que o paraninfo da turma. Élcio passou em primeiro lugar no vestibular da Unicamp, da USP, da Unesp e de mais algumas universidades. E vários alunos passaram no vestibular por causa da sua ajuda, do seu grupo de estudo. Eu também passei no vestibular: na USP, em veterinária. Não fui a primeira da lista, mas só de ter passado foi maravilhoso!

Mas o melhor do baile de formatura, foi quando Élcio chegou perto de mim, num único instante em que fiquei sozinha e me chamou para dançar. Fiquei trêmula, completamente emocionada. Fui cambaleando para o salão. Ele encostou seu rosto no meu e fomos bailando num sonho delicioso. No meio da música, ele me disse: “Você é muito inteligente. Eu nunca conheci uma pessoa tão estudiosa quanto você; além do mais, você é muito bonita”.

Quase desmaiei. Nem o príncipe encantado teria feito-me tantos elogios. E a noite ficou naquele encanto, naquela dança.

Eu nunca mais soube do Élcio. Algumas pessoas com as quais tive contato, contaram-me que ele foi estudar em Harvard, mas não tenho certeza. Fofoqueiros são sempre fofoqueiros. Outros desmentiam e diziam que ele foi numa missão para o Alasca. Não sei, ache um bom lugar para ter ido, se você quiser. Eu fico nas minhas lembranças daquela memória implacável do doutor sabe tudo.