PATERNIDADE TARDIA
José Luís Nóbrega
 
 

Não acreditou que aquilo pudesse acontecer com ele, logo ele, sempre livre na vida, mesmo estando há muitos anos casado. A mulher sempre cuidara dos filhos, mas agora, aos cinqüenta e três anos, teria ele que cuidar daquela nova “criança” que chegaria para desespero de todos na família. Ele aposentado, a mulher ainda trabalhava.

Aos cinqüenta e três anos acreditava não mais ter paciência para cuidar, ensinar, tratar em tempo integral daquele ser que necessitava de tantos cuidados especiais. Dizia aos amigos que não mais se via como pai, mas que iria se esforçar para desempenhar da melhor maneira possível aquele novo papel paternal.

As dificuldades em ser pai novamente se deram logo pelo café da manhã. Tirar a “criança” da cama não foi o difícil. Difícil mesmo foi arrastá-la a passos lentos para o banheiro. Escovar aqueles parcos e pequeninos dentes então: tarefa das mais difíceis. Pentear os cabelos fazendo brincadeirinhas com a “criança” até que não foi tão ruim. O difícil mesmo foi dar-lhe banho sem que ela, de tanto se debater, viesse a molhar por completo aquele “pai cinqüentão”, e que já esboçava impaciência logo na primeira manhã daquela tardia paternidade.

Tomado o banho, hora do café. Pãozinho molhado no leite para que a “criança” pudesse mastigá-lo com aqueles poucos dentinhos. Mesmo assim, um engasgo. Tosse e mais tosse, a face ruborizada, a preocupação do “pai cinqüentão” que não sabe o que fazer. Um copo d’água tomado beeemmmmm devagarzinho, uma babinha a escorrer pelo canto da boca, mas nada mais que um susto. O “pai cinqüentão” se pergunta: aquilo durará muito tempo? Antes que ele mesmo se de a resposta, outra engasgada, agora com um minúsculo pedaço de bolacha. Mais água, mais babinha no canto da boca...

Dez horas da manhã e a criança permanece imóvel na frente da televisão, assistindo aos desenhos animados, parecendo nada entender. Um passeio, nem que seja só pela calçada de casa deve ajudar aquele corpo frágil, aquela mente perdida entre fúteis imagens animadas, pensa o “pai cinqüentão”.

Os primeiros passos da “criança” em direção à rua são dados com muita dificuldade. Mais uns resmungos e mais uma babinha no canto da boca, limpada com a ponta de uma toalha. Dois minutos de caminhada e a criança já esboça cansaço. O “pai cinqüentão” perde a paciência. Diz que é para “criança” se esforçar. Ela não diz nada, mesmo porque não pode mais falar. Os olhos “dela” se enchem d’água. O “pai cinqüentão” se arrepende pelas palavras duras, levando a “criança” novamente para casa.

No almoço uma engasgada, duas... A toalha se encharca, passando o “pai cinqüentão” a limpar as babinhas de sua “criança” com guardanapos de papel. Os dentinhos a mastigar lentamente, olhos perdidos no vazio do tempo que se passa, ou que há muito se passou... No banheiro mais uma vez as dificuldades para a escovação dos pequeninos dentes, outros tantos resmungos com a escova na boca. O “pai cinqüentão” arrasta seu filhote ao quarto para a sesta do “filho”, e o descanso merecido do “pai”.

Às três da tarde a “criança” acorda, dá uns gritos lá no quarto, acabando com o sossego do “pai cinquentão”. O cheiro no quarto acusa a urgência na troca da fralda. O “pai cinqüentão” olha para seu “filho”, na verdade, seu pai, na casa dos noventa, não acreditando no que terá que fazer. Percebe que os olhos outrora vagos do pai, naquele triste momento, parecem querem dizer algo. Uma lágrima então desce por aquele rosto castigado pelo tempo. Os olhos do filho cinqüentão também se enchem d’água, enquanto troca a fralda suja... do velho pai...