E7G37
Ken Scofield
 
 
Um forte barulho o acordava e interrompia um sonho que acabava por lhe lembrar de um dia aterrorizante. Joaquim era estudante, tinha seus 23 anos e não era muito diferente dos outros jovens de sua idade, pelo menos por fora. Saía para beber com os amigos no fim de semana, e possuía um bom número de amizades que viviam sempre perto dele. Ele era um sujeito quieto, que não costumava contar tudo de sua vida para muitas pessoas. Um fato muito marcante em sua vida não era de conhecimento de quase nenhum de seus atuais amigos. Sua memória sempre o fazia voltar àquele dia: ele tinha 5 anos e ia a um clube com seu pai que, por sua vez, sempre jogava squash. Joaquim ficava sempre sentado ali perto só olhando, ou desenhando, algo que adorava fazer. Nesse dia seu pai teve seu jogo interrompido. Um homem o qual Joaquim nunca tinha visto conversava longamente com seu pai. Usava uma espécie de gorro na cabeça e tinha um lenço xadrez amarrado em seu punho direito. Joaquim começava a estranhar pois nunca tinha visto seu pai interromper uma partida por tanto tempo e eles ainda pareciam que iam conversar muito. Eis que seu pai o chamava. Chegando lá seu pai dizia que aquele “seu amigo” queria conhecê-lo. Eis que o tal amigo começou a rir, deixando pai e filho sem entender nada. E de repente, puxando uma faca, com um golpe só fez de um filho testemunha da morte do próprio pai. Depois o viu andar com seu jeito bem particular, que lembrava um pêndulo, até enfim desaparecer depois de sair por uma porta.

Era um tempo de chuvas, havia um bom tempo em que não se tinha um tempo tão frio como aquele. Joaquim mesmo assim continuava suas atividades diárias. Estudava economia em uma conceituada universidade e algumas vezes ia a uma academia onde aprendia a dançar. Relaxava bastante lá, era onde deixava todo aquele estresse de seu dia de estudante de lado. Conheceu ali uma moça chamada Carmem que acabou sendo uma amiga e sua parceira de dança. A rotatividade da academia era grande, sempre chegavam novos alunos e ao mesmo tempo muita gente não seguia com as aulas. Como em toda sala de aula de dança havia um grande espelho que auxiliava no ensinamento dos passos. Algo lhe intrigava, um dos novos alunos olhava fixamente para ele em alguns momentos. Ele procurava não se impressionar com isso. Certo dia chegou um pouco atrasado e via então pelo lado de fora que Carmem já tinha um parceiro. Resolveu procurar o bebedouro mais próximo, pois estava com muita sede. Escutou um barulho de vidro quebrando. Não imaginava o que era, nem de onde vinha. Quando ia entrando em sua sala viu Carmem caída e toda ensangüentada ao meio do que restou do espelho. Não entendia o que via. Aquilo o deixou em estado de choque. Dias depois estava ele no funeral de sua amiga. O possível assassino de sua amiga havia fugido e ninguém sabia nada sobre ele. O que se sabia era que tinha entrado no curso de dança há poucos dias.

Joaquim então decidia tentar desvendar o caso, que estranhamente não evoluía em suas investigações oficiais. Procurou saber detalhes sobre o tal sujeito através de relatos de quem o viu na academia e não achava nada de interessante. Sempre escutava algo como: “era um sujeito estranho”, ou “não vinha em todas as aulas”, ou “possuía andar engraçado”, ou “possivelmente tenista, tinha uma estranha braçadeira”. Isso tudo já tirara-lhe o sono. Nada vinha a cabeça. Até que resolveu ler um jornal. Muitas notícias nas páginas policiais. Uma lhe chamou atenção: Pai assassinado na frente do filho!!! Eis que foi instantâneo: aquelas longínquas lembranças voltavam. Aquele jeito de andar, aquele lenço xadrez amarrado no punho direito... será? Voltou no tempo então e lembrou-se dos instantes seguintes à morte de seu pai. Fatos estes que pareciam ter sumido de sua memória, pois sempre só conseguia lembrar até aquela porta se fechar. Eis que agora tudo era claro em sua mente. Lembrava que o assassino de seu pai o havia deixado trancado lá naquela quadra de squash e depois de um tempo teria voltado. Suas palavras agora eram lembradas: dizia que seu pai o havia roubado dele, que seria o seu verdadeiro pai. Até aí era onde sua memória tardiamente chegava.

Dias depois soube que o fugitivo teria sido preso. Ia então ele verificar se suas suspeitas eram confirmadas. Conseguiu então o direito de visitar aquele que talvez fosse o responsável pelas duas piores perdas de sua vida. Chegava então devagar, via um corpo bem mais envelhecido, cansado, que não parecia ser capaz de ferir ninguém. Aproximando-se viu que no braço direito havia algo amarrado a altura do punho. Tinha uma curiosidade muito grande em saber o que havia ali. Também queria saber como e porque Carmem teria sido morta. Eis que quando se aproximou mais ainda, notou que era o único homem vivo naquela cela. Desamarrou o que havia no tal punho e pode ler de uma tatuagem que tinha escrito: “Banco Nacional e7g37”.

Foi ao banco e com a ajuda da polícia conseguiu que a gaveta de número 37 do grupo e, em seu sétimo módulo fosse arrombada. Lá havia um envelope em branco com um pequeno papel onde estava escrito: “Mato porque tudo que tinha perdi no dia em que descobri que minha mulher estava grávida de outro homem”. Joaquim estava de certa forma aliviado, pois não seria então filho de um assassino e também podia guardar as boas lembranças daquele que sempre demonstrou lhe amar. Mas, mesmo assim, o tormento daquela cruel lembrança daquele dia em que perdeu o pai jamais sairia por completo. Mostrou-se então forte, continuou brilhantemente sua vida e sempre tentou evitar que seus filhos pudessem sofrer de algo semelhante. Tentou sempre proporcioná-los lembranças saudáveis, evitando assim que um dia a memória deles fosse tão implacável quanto a sua.