UM DOS LOUCOS
Eduardo Prearo
 
 

O carrancudo andou pela Paulista toda, e achava que tinha sorte por ter amigos extrovertidos. Aparentemente ninguém gostava dele; era de súbito um desconhecido até para si próprio, talvez um lado de Saturno ambulante, tudo de mal, a libra negativa. Sorrir não era carregar um peso de quinhentos quilos, também não era assim. Mas o puniam, ele tinha certeza de que o puniam por causa da cara feia que por vezes fazia. Tinha uma visão errada das pessoas quando as achava vingativas. E não sendo mais adicto de álcool, as coisas pioravam, a melancolia se fortalecia. Continuava a miscrar alho com cebola, e as críticas não evoluiam; digo as alheias. Nem ele mesmo evoluía.

A permanência na casa onde morava era transitória, ele bem o sabia. Tudo ao redor se tornaria maravilhoso dias antes dele ter de partir para um albergue ou então um pensionato de gente-inseticida. Fora sempre dessa forma. Nas pensões, emagrecia; nas casas alugadas com fogão e geladeira, engordava. Tinha que aprender alguma coisa, alguma lição. Será que tinha que aprender a ser forte? Tinha uma vaga inveja dos fortões das academias abertas de praia. A parecença dos lugares onde havia morado, e por culpa dele mesmo, com uma porqueira, era recorrente.

Naquela noite, após ter andado a Paulista toda, voltou pra casa e fez um chá. Calculou como começaria a dar bom dia: seria um bom dia gritado, um surto do bem. Mas por que não um bom dia pra lá de entusiasmado, com direito a abraço e tudo? Poderia ficar em uma rua movimentada, pulando e dando bom dia, rindo alto, talvez por uns cinco minutos. E em vez de "...loirinha, loirinha, dos olhos claros de cristal...", diria "...bom dia, bom dia, lá lá lá lá lá lá lá lá, solfejando. Pois era assim que o queriam, ele tinha certeza: alegre, para sempre alegre e nunca mais taciturno. Mas ele acordava de tarde! Era vagabundo, indicisplinado, biscateiro. Era meio boêmio, mesmo não sendo mais adicto. Ou então um insone.

Eu estava trabalhando em um pequeno hospital psiquiátrico quando o conheci. Sou psiquiatra. Lembro-me de que ele andava de um lado para o outro, chupando o polegar esquerdo. Estava ali porque fora pego praticando onanismo na rua. Bom, fizemos amizade e eu até me rebaixei um pouco dizendo-lhe que o levaria para a Europa caso cooperasse conosco em muitos aspectos. Gostei dele, viu. Coitado! Arrumei-lhe um Albrecht Dürer preto e folhas de sulfite para que desenhasse. Os desenhos dele hoje fazem parte de um livro sobre doença mental lançado na Alemanha. São lindos, coloridíssimos. Pena o infeliz ter falecido, apesar de ter-me feito uma baita cara feia antes do ronco derradeiro. Casos assim, enfim, existem aos montes...