CORTANDO O MAL PELA RAIZ
José Luís Nóbrega
 
 

Os olhos dele até que eram bonitos, mas não foi por eles que ela se apaixonou. A fala mansa, o jeito descontraído de menino-homem, também não foram esses os motivos da atração. Aquela parte do corpo dele, às vezes à mostra, às vezes escondido, por vezes rijo, outras vezes a balançar pra cá e pra lá, causava um inexplicável fascínio na jovem de poucas palavras e educação rigorosa.

Enquanto namoravam, ela se deliciava com a visão do objeto de seu desejo. E como ela desejava aquele pedaço do seu menino-homem! Antes das carícias o pedaço do amado parecia um “pedacinho” inofensivo. Depois dos beijos, aquilo se transformava, apresentando-se como um “pedaço” de um todo. O membro por vezes roçava-lhe o corpo, causando excitação. Grande, duro, mas de toques suaves...

No dia do casamento, transpirava só de pensar que se entregaria em breve ao objeto ainda secreto do seu desejo. Quando as portas se abriram e ela avistou seu noivo, não teve como disfarçar. Não tirava os olhos daquela parte que tanto a atraía. Não olhou para o rosto do futuro marido, nem para os seus olhos. Ela estava hipnotizada por aquilo que balançava pra lá e pra cá... Seu desejo era de beijá-lo ali mesmo. Tinha vontade de sorvê-lo como quem se alimenta da fruta do pecado. Conteve-se durante a cerimônia, entregando-se na noite de núpcias de corpo e alma à saciação de seu desejo. Beijou demoradamente apenas aquele pedaço que tanto desejava. Sentiu-se amada ao se sentir tocada por ele...

Mas, com o passar do tempo, a jovem esposa foi se apercebendo que outras mulheres também sentiam atração por aquele “pedaço” do seu marido. Em festas, reuniões entre amigos, elas não tiravam os olhos de lá. Enquanto o marido falava, gesticulava, lá estava a parte mais atraente dele a se exibir. Ele sabia disso e não mais escondia sua porção desejada, deixando-a ereta durante todo o tempo para delírio de todas. A mulher passou a sentir ciúmes não do marido, mas de apenas uma parte do seu corpo. Não aceitava a jovem esposa dividir o objeto de seu desejo com nenhuma outra mulher. Sentindo-se traída, perpetrou sua vingança: haveria de cortar aquele mal pela raiz...

Ele dorme nu, pernas abertas sobre a cama do casal. A esposa chega, acende apenas o abajur da cabeceira. Com um só golpe decepa o pedaço do corpo do marido que tanto amava. Um pedaço encolhido, murcho, devido ao prolongado banho de minutos antes. Ele dá um grito, geme, chora, enquanto o sangue escorre pelo lençol branco. Ela permanece imóvel ao lado do leito. Faca de cozinha na mão direta, um pedaço do marido na mão esquerda.

Ambos são levados para o pronto socorro. Médicos e enfermeiras correm contra o tempo. O implante do membro tem que se dar em poucos minutos. O capelão do hospital é chamado, mas nem mesmo ele consegue persuadir a jovem esposa a soltar o dedo indicador da mão direita do marido que acabara de mutilar. Ela, olhar fixo no teto, mão fechada rente ao peito segurando o dedo amputado, balbucia que se aquele amado membro não for dela... não será de mais ninguém...