O AMOR TRANSITIVO DE LARA
Leila de Barros
 
 

Ela mudou-se para minha cidade quando eu ainda era adolescente.

Trouxe vida ao lugarejo, nossa vila de pescadores.

Ela era feita de cores, de frases de efeito, de vestidos baratos e fazia barulho quando chegava, sempre usando muitas pulseiras coloridas em forma de aro.

Lara gostava de repetir algo que teria lido em um folhetim: “Amar é verbo transitivo, quando se ama, esse amor vai em direção de algo, alguém, uma memória, uma lembrança, um animal de estimação, um diamante ou um papel de bombom”.

Lara adorava ganhar bombom dos amantes.

Ela repetia que o amor era transitivo, transitório, como as ondas no mar.

Ela enjoava rápido de tudo. Não fazia questão de luxo e nem de carros reluzentes, gostava de receber prendas miúdas, como sua boca pequena e sempre sorridente.

Lara, dos largos quadris e do cabelo avermelhado como seu batom escandalosamente carmim.

Lara dos olhos oceânicos e em forma de amêndoas.

Lara, objeto de desejo dos adolescentes do vilarejo. Mas, ela só saía com homens já formados, com barba serrada, conforme comentava à boca larga.

Ela deixava as cortinas do quarto do hotel semi-abertas, como uma forma de provocação aos vizinhos mais recatados.

Desfilava uma coleção de camisolas rendadas, sempre com os seios fartos quase à mostra.

Lara era suavidade e explosão. Transitória como o vento do outono, transitiva como as prostitutas do Cais.

Quem se aventurasse a uma paixão por ela, sabia que teria que se contentar com aqueles momentos fugidios, com o perfume doce de seus cabelos lavados com Macela do campo e apenas alguns tragos na mesa de um bar.

Comentava-se no vilarejo que ela tinha um grande amor secreto, um homem que teria vindo do estrangeiro e que havia partido com um navio cargueiro.

Quando chegou no auge de seus quarenta anos, ainda atraente e farta de amores, Lara sumiu da cidade e deixou um bilhete para o dono do hotel, dizendo que iria voltar para sua cidade natal, que por sinal, ninguém sabia onde era.

Restou-me a lembrança de Lara em uma foto já meio desbotada, com um vestido chinfrim de algodão vermelho, imitando a pose da “Merilín Monroe” para fazer os marinheiros darem risada.

Esse negócio de amar o transitório é a lição que nunca consegui aprender, mesmo com ela. Sigo então nessa lida banhada pelo luar, de jogar a âncora ao mar e depois retirá-la sempre que meu navio parte a sua procura.