O VELHO SOLDADO
João Rodrigues
 
 

Confesso que foi com um misto de medo e admiração que ouvi a palestra daquele velho soldado. Seus cabelos brancos, descolorido com o passar dos anos e sua cara enrugada denunciavam os anos de luta que ele tinha enfrentado ao longo da vida. No entanto, o que me parecia ser o seu maior inimigo não eram os seus inimigos propriamente dito, os soldados que ficavam do outro lado da trincheira, mas o que ele carregava dentro de si: dor, muita dor. Os seus olhos expressavam a morte — não a morte do corpo, mas da alma, do espírito humano, do facho de vida que há em cada homem. Por mais que ele tentasse esboçar um sorriso não conseguia mais passar alegria. Sua cara marcada por uma profunda cicatriz, lembranças do período em que fora feito prisioneiro na Segunda Grande Guerra, afastava qualquer chance de um sorriso pacífico. Havia em seu rosto sempre uma expressão de horror.

Ele se expressava muito bem, embora uma vez ou outra deslizasse em algum lapso de memória e se perdia no meio da frase e, muitas vezes, alguém tinha de recordá-lo de onde ele estava. Fiquei sabendo depois que antes de ser soldado fora professor universitário, o que certamente aumentava a dor daquele pobre homem. Os horrores da guerra acabam sendo maiores para aqueles que não foram treinados para ela, como ele afirmara naquela ensolarada tarde de outono.

A primeira vez em que o vi, ainda no estacionamento do campus, jamais imaginei ser ele o famoso palestrante. Mas, por trás daquele rosto castigado pelas adversidades, havia um homem, tão vítima da guerra quanto qualquer outro; ele fora sim, ao longo das batalhas, se aperfeiçoando na arte de matar, mas não havia sido treinado para ser um assassino, e isso era o que mais lhe doía e, ao mesmo tempo, era o que mais lhe dava esperança para continuar vivendo. A morte de muitos, era a sua. Órfãos partiram de seus dedos, e viúvas chegaram através de seus tiros certeiros. Vi em seus olhos a redenção.

Depois daquele dia, percebi que somos homens e monstros. Que matamos e morremos em nome da honra de pessoas que nem sequer a teve algum dia, ou que nem mesmo a conhece. Que, em nome da liberdade, fazemos milhares de prisioneiros e, por fim, ficamos tão ou mais presos quanto eles.

Olhei-o e achei que ele estava lendo os meus pensamentos, quando encerrou a palestra com a seguinte frase:

— Que Deus coloque a paz no coração dos homens.