O ANJO
William Stutz
 
 

Nada é por acaso. Esse era seu eterno pensamento, sua verdade absoluta. Acreditava que tudo estava escrito nas estrelas e que, por mais que remasse contra a correnteza o que teria de acontecer aconteceria. Assim levava sua vida insossa, sem sustos, planos ou certezas.

Um dia após o outro. O tempo ia se acumulando em sua alma, em seu corpo em suas vestes. Não se dava conta de nada que o cercava. Fechado em copas vagava, flutuava. Fantasma.

Não se podia dizer que era triste, pois tristeza pressupõe sentimento. Não os tinha.

Não se podia dizer que era alegre, não o era pela razão mesma.

Não via televisão, não ouvia rádio. Cinema o entediava e teatro punha-o a dormir. Nunca lera um livro ou jornal. No trabalho era peça de mobiliário. Cumpria mecanicamente seus afazeres sem questionar, não se aborrecia, não se exaltava. Tinha horror a férias pois não sabia o que fazer delas. Feriados eram tortura. Nunca sorria, nunca franzia a testa.

Não tinha amigos ou conhecidos, jamais sentava à mesa de um bar. Não bebia, não fumava. Certa feita sentado em banco de praça, avistou um anjo. Anjo de tal beleza que ofuscava o brilho do sol, calava pássaros, adoçava a brisa, iluminaria a noite.

O anjo estava parado próximo a uma fonte. Suas asas enormes em posição de descanso chegavam até o chão, eram de um branco divino jamais visto, jamais retratado. Contemplativo o anjo o observava curioso. Não havia recíproca, pois para ele o anjo era na realidade apenas um anjo. Curioso a celestial criatura se aproximou. Chegou bem próximo dele. Frente à frente, nada. Encostou seu rosto no dele para que pudesse sentir o mais doce dos perfumes, o toque da mais macia e tenra das peles. Era como se ali não estivesse. Perturbado o anjo soprou levemente o seu rosto, um hálito do mais puro frescor, ervas aromáticas mentoladas das mais finas regiões do éter, nada. Sentou-se intrigado por alguns instantes no encosto do banco bem ao seu lado. Com as angelicais mãos no queixo perfeito, avaliava a situação cuidadosamente. Em leve flutuo postou-se novamente, agora agachado e com as mãos nos joelhos da pétrea figura. Entoou baixinho o mais belo de seus cânticos, ouvidos moucos, nem lágrima ou susto, mais uma vez um simples nada.

Pela primeira vez em sua eterna existência o anjo não se viu. Não foi festejado nem adorado, Não ouviu "os" ou "ais" de espanto/encanto. Não foi louvado nem escorraçado. Agoniado em imensa confusão voou solto e alto, o acompanhava agora para sempre a terrível dúvida se ele, anjo, realmente existia.