DOCE PECADO
João Rodrigues
 
 

Há anos ela vivia naquele quarto, em meio às coisas sacras e cercada de pensamentos que nem mesmo Deus deveria ficar sabendo — seria uma heresia, uma calúnia à Santa Madre Igreja se ela se permitisse a deixar sair de sua boca tais sentimentos. Na parede, um pôster de seu artista preferido (que ela mantinha guardada a sete chaves, longe dos olhos da madre superiora), seminu, com o tórax malhado e os músculos definidos — uma tentação — mostrava todas as perfeições de um corpo bonito, e fazia aflorar todas as imperfeições de uma mulher, suas fraquezas e desejos. Nunca tivera um homem antes e, aos 21 anos de idade, não conhecia ainda o doce e ardente gosto do prazer carnal. Aquele pôster ali, diante de seus olhos, lhe fazia viajar em meio a loucuras que não fora cometido nem mesmo nos primeiros dias de Adão e Eva, quando ainda freqüentavam o Paraíso.

Sua vida sempre fora dedicada a ajudar os necessitados, dedicada à religião e à igreja. Fora internada em um convento aos 13 anos de idade, quando a pele já estremecia ao sentir a presença de um homem, e os seus desejos viviam à flor da pele. De pele morena, olhos verdes e cabelos pretos escorrendo ombros abaixo – graças à mistura de etnias que reinava em suas raízes – lábios grossos e bem-feitos e muitos outros atributos com os quais a mãe natureza a presenteara, Naiara fora a musa do colégio, depois, da igreja, e por fim, daquele convento com ares de santo. Mesmo cercada com hinos e orações, sua beleza não se deixou morrer. Algumas irmãs achavam-na bela, outras, invejavam-na, e outras ainda adorariam ter com ela uma noite de amor, apenas.

Lá embaixo, vozes entoavam um belo hino de louvor; e, dentro de si, como se tivesse tomado aguardente, uma onda de calor aquecia tudo. Seu corpo estremecia, um fio de suor descia de seu rosto pálido. Sentia tudo aquilo pela primeira vez. Teve medo. Sabia que era da carne. O pecado estava tentando a sua alma. Aqueles desejos reprimidos afloravam, não conseguia mais mantê-los em segredo; o corpo pedia que os satisfizessem. Não havia mais como controlá-los. Na parede à sua frente a imagem de uma santa sorria, de escárnio, pensou, ou talvez perdoando-a. Maria Madalena. “Quem nunca pecou que atire a primeira pedra”. Pareceu ter ouvido alguém falando isso. Não sabia mais se ouvia ou se sonhava.

A porta se abriu. Seu hábito foi arrancado violentamente. E todo o seu corpo se entregou ao pecado, ao desejo, ao prazer condenável pela igreja, pelos santos e por todos aqueles que não tiveram a coragem de se entregar aos prazeres do corpo com os quais Deus nos fez. Ao prazer que carrega direto ao fogo do inferno. Ao inferno que vivia dentro dela, ao fogo que incendiava a sua alma. Entregou-se à serpente. À maçã. À Eva, ou Lilith. Ela descobriu o conhecimento, o prazer, o pecado no imundo e belo corpo da madre superiora.