O QUE EU VI NO INFERNO...
Jurandir Araguaia
 
 

Caminhei longamente pela terra ardente, em busca de um rosto conhecido. Todas as faces eram ridiculamente iguais. Figuras toscas, imagens pálidas e repetitivas, os mesmos olhos mortos, a cabeça raspada, os trajes – longas túnicas – na cor cinza; andavam a esmo por aquele mundo.

Esbarravam uns nos outros. Não sentiam a dor dos espinhos cravando-lhes os pés, e nem o calor do sol sobre a cabeça. Ignoravam por completo que o chão rachado ultrapassava os 50 graus – assim calculei embora não possuísse nenhum aparelho de precisão ao meu alcance.

Minhas botas protegiam-me parcialmente daquele triste flagelo. Consegui, sob o abrigo provisório de um alto rochedo, proteção contra o terrível calor. Passei a observar os zumbis e a cientificar-me de minha estranha e inusitada situação.

As criaturas batiam umas contra as outras. Mesmo aquelas que esbarravam em cactos ou plantas, não manifestavam dor ou reação. Simplesmente se viravam e andavam em outra direção. Comecei a rir, louco para fugir daquele pesadelo. Finalmente percebi que se tratava do mais terrível dos sonhos. Belisquei-me. De outra feita, fazendo isso, consegui despertar de uma prisão em um pântano, no qual me via cercado por crocodilos com cabeça de homens.

Agora era pior. Tenho a impressão de que, neste mundo onírico, falta-me a capacidade para escapar do seu assédio. Creio que passou cerca de um ano. Sempre de dia, sempre quente, sempre as mesmas criaturas bizarras. Logo ao longe percebi a presença de um precipício. Como nunca me dei conta daquilo antes?

Reunindo todas as minhas forças. Naquele ambiente que nunca me matava, apesar da sede, da fome, da febre e das dores, aproximei-me do penhasco. À medida que caminhava percebi que as inúmeras criaturas dele não se aproximavam. Elas estancavam alguns metros antes e retornavam, como se uma força as atraísse.

Avancei pela estranha barreira invisível que as detinha. A temperatura ali era infinitamente mais agradável. Olhei para o horizonte e percebi uma névoa impenetrável. Qual seria a altura do penhasco? Não pude precisar.

Olhei para trás. Lá estavam as criaturas em sua dança desordenada a esbarrar umas contras as outras. Patético. Qual a solução? Impossível tentar descer pela encosta. Muito íngreme. Lembrei que acordava de alguns sonhos ao lançar-me no espaço vazio. Será? Abri meus braços. Mergulhei no espaço. Aguardei o impacto ou o despertar em minha cama quente e macia. Esperei - e não sei dizer por quanto tempo.

Resolvi abrir os olhos. Ao fazê-lo eu me vi em um outro local. Parecia estar andando sobre as nuvens, tendo como abóbada aquela terra na qual anteriormente me encontrava. Era como a brincadeira da infância quando andava com um pequeno espelho sob o nariz para ver o mundo virado.

Comecei a caminhar pelas brumas. Lembrava-me o algodão. Temperatura agradável. Umidade. Silêncio e vazio. Não sei por quantos dias estou caminhando. Neste estranho mundo perco a noção do tempo e da realidade. Fico a pensar se é melhor estar com as criaturas bizarras, naquele escaldante inferno, ou a eterna monotonia deste céu deserto...