TE AMO, TE AMO
Luís Valise
 
 

Lorena notou que o chefe não estava num bom dia. Perguntou, com cuidado:

- Algum problema, Dr Jorge? O senhor parece abatido, distante... Posso ajudar em alguma coisa?

O homem reclinou-se na cadeira, soltou o nó da gravata, olhou bem para a secretária. Trabalhavam juntos há bem uns seis ou sete anos. Não tinha queixas: eficiente, discreta, simpática, boa estampa. Sentia que precisava desabafar com alguém, mas segurou o nó na garganta, e agradeceu:

- Não, Lorena, nada que você possa fazer. Agradeço, assim mesmo.

A moça fez meia-volta e saiu, fechando a porta com cuidado. Jorge olhou a cidade pela janela. Considerou idiotice a súbita vontade de pular lá pra baixo. Ninguém valia tanto. Nem Teresa, sua mulher há quase vinte anos. Namoro de faculdade, mesmos ideais, e linda, muito linda, além de tudo. Além do casal de filhos, a melhor coisa que teve na vida. Agora tudo estava mudado. Teresa estava diferente, indiferente. Quando tentara puxar o assunto, saber o que se passava, a mulher fora ríspida:

- Nada não, Jorge, sei lá, saco cheio. De tudo, entende? De tudo, não de você. Ou não só de você. De tudo. Vontade de sumir. Você nunca sentiu isso?

Jorge disse que não, para ele tudo sempre fora muito bom, e vê-la assim fazia-o sofrer. E esperava que, com o tempo, tudo voltasse a ser como antes. Mentira. Jorge já tivera vontade de sumir do mapa, dar adeus, e desaparecer. Mas isso aconteceu quando ele andou apaixonado por outra. Teresa nunca desconfiou, graças a Deus. Ele andava meio louco, no mundo da lua, como acontece com as paixões proibidas, e se a outra também não fosse casada não sabia o que poderia ter acontecido. Uma grande paixão. Jorge olhava a janela tentando adivinhar o que sentia mais: seu problema com Teresa, ou a perda da outra.

Algumas semanas depois, Lorena levou uns papéis para Jorge assinar, e não saiu da sala como de costume. Jorge levantou os olhos, e deu com o olhar inquieto de Lorena:

- Dr Jorge, desculpe voltar ao assunto, mas estou ficando aflita. Alguma coisa está acontecendo com o senhor, e como sua secretária acabo me preocupando também. Não posso mesmo ajudar?

Jorge ponderou por alguns instantes. A moça era sincera, e ele não confiava em mais ninguém. Perdera contato com os velhos amigos, ninguém com quem desabafar. Queria conversar sobre seu problema. Por que não ela?

- Lorena, você quer tomar um chope comigo hoje à tarde?

Na mesa do bar, Jorge não sabia como entrar no assunto. Falaram de coisas de trabalho. Jorge notou que ela mais bonita do que ele pensava, tinha um sorriso cativante, olhos expressivos, e depois de alguns chopes sentiu-se mais à vontade:

- Lorena, agradeço seu interesse por mim. Não tenho mais ninguém em quem confiar um assunto desses. Nem vou pedir que você mantenha nossa conversa em sigilo, pois isso é óbvio. Estou com problemas em casa. Com a Teresa. Você conhece a Teresa. Quer dizer, acho que você nem a conheceria mais. Ela está muito diferente. Distante. Ausente. Sem paciência para nada. Briga por qualquer coisinha. Grita com as crianças o tempo todo. Parece arrependida de tudo. Diz que sente vontade de sumir. Deus que me perdoe, mas até parece que ela tem outro.

- Não diga isso, Dr Jorge! Qual a mulher que quereria outro, estando casada com um homem como o senhor?

- Não me chame de senhor, nem de doutor, Lorena. Não aqui, pelo menos. Aqui somos amigos. Mas só pode ser isso. Acho que ela tem outro homem. Eu conheço os sintomas.

- Dr.... quer dizer, Jorge, nós trabalhamos juntos há mais de seis anos, e eu nunca vi o se... você nervoso, distante, impaciente. Como é que você conhece esses “sintomas”?

- Eu não devia contar pra você, Lorena, mas já que somos amigos, e como eu confio, eu conto: Já tive outra. Já estive apaixonado por outra. Doido de pedra. Pensava na outra dia e noite. Quando eu estava no trabalho não tinha problema, mas quando chegava em casa eu me transformava, virava um grosso, não podia nem olhar para a Teresa, nem chegar perto! E eu vejo que ela anda se comportando do mesmo jeito. Entende?

- Outra? E como é que eu nunca percebi?

- Porque no escritório eu não sofria, só em casa. Você não reparou que uma época eu saía muito à tarde? Sempre inventando visitas a bancos, clientes?

- Eu não reparei, achava que era trabalho, mesmo.

- Pois não era. Era amor. Uma mulher incrível... Só que fora de hora, e lugar. Uma pena.

- E a Teresa nunca...

- Nunca! Nunca! Aturava meu mau humor, achando que deviam ser assuntos de trabalho. Eu vou pedir uma vodka. Me acompanha?

- Não, Jorge, vou querer mais um chope. E você desconfia quem seja esse tal homem?

- Não faço a menor idéia. Também não quero saber. Só queria que Teresa voltasse a ser o que era. Que tudo voltasse a ser como antes. Eu voltei a ser como era depois que meu romance terminou. Queria que isso acabasse logo. Se eu soubesse quem era o cara acho que mandava matar. Acredita? Acho que eu teria coragem de mandar matar.

A conversa esfriou. O clima ficou meio pesado. Lorena tomava seu chope em pequenos goles. Jorge pediu outra vodka:

- Assustei você? Desculpe, Lorena, acho que bebi demais...

- Não, Jorge, eu fiquei pensando naquilo que você disse, que teria coragem de mandar matar o outro...

- E teria mesmo. Juro. Seria capaz de qualquer coisa para ter Teresa de volta. No amor vale tudo.

- Tudo, mesmo?

- Tudo, Lorena. Se algum dia alguém te afastar da pessoa amada, não tenha dúvida: vale tudo.

Já estava ficando tarde. Lorena precisava ir para casa. Jorge se ofereceu para leva-la. Ela era mesmo bonita. Lorena agradeceu, e recusou. Conhecia os homens. Tomou o ônibus, e foi pensando durante a viagem. Pegou o celular, discou um número, e foi curta:

- Estou indo pra casa agora. Morta de saudades. Te amo. Te amo.

Na esquina da casa de Lorena tinha um bar da pesada, sempre cheio de vagabundos de toda a espécie. Todos sabiam que ela morava ali perto, e a respeitavam. Lorena entrou no bar para comprar cigarros. A tigrada nem tomou conhecimento. Lorena viu um homem forte, bebendo sozinho. Era famoso. Fez um sinal com a cabeça, o homem saiu do bar, foi andando atrás de Lorena. Ela virou a esquina e parou:

- Desculpe te chamar assim, sem mais nem menos, mas você é o Ferreira, não é? Já ouvi falar em você, você aceita encomendas perigosas, não é?

- Depende. Perigosa pra quem?

- Para outra pessoa. Entende?

- Entendo. O quê você quer?

- Você seria capaz de... matar alguém se eu pedisse?

- Trinta paus.

- Trinta?

- Trinta paus.

- Posso pagar depois?

- Pode. Você não ia fugir, mesmo.

- E o que você precisa pra fazer o serviço?

- Uma foto da figura, e o endereço.

Lorena abriu a bolsa, excitada, e entregou uma foto e o endereço do Dr Jorge. E foi pra casa, toda feliz.