NOITE INFINITA
Andre Calazans
 
 

O rapaz estava deitado na cama há apenas uns dois ou três minutos, quando o necessário para ele adormecer era no mínimo um tempo dez vezes maior. Entretanto, naquela noite, em especial, ele se entrega rapidamente, e o mais espantoso é que começa a sonhar logo em seguida. Ora, já havia lido um ou outro livro sobre o assunto, talvez alguns artigos em jornais. Pois o sonho não ocorre somente quando o sono já vai longe, especialmente na hora do movimento rápido dos olhos ? Mas não era o que acontecia naquela noite, onde o inusitado era a normalidade. Então o rapaz sonha um sonho bastante esquisito: sonhava que estava dormindo. Simplesmente visualizava seu corpo, na mesma posição em que estava na cama, de olhos fechados.

Entretanto, após alguns minutos (ou seriam segundos ?) sonhando-se dormindo, ele acorda (no sonho). E ao acordar, lembra-se de ter sonhado algo, mas sem se recordar exatamente do que se tratava. Em seguida ele se levanta, e em poucos segundos está a dialogar com sua família. Falava com desenvoltura e naturalidade, e o assunto era seu próprio sono. Porém, conforme falava, começa a tomar a consciência de aquilo era apenas um sonho, e que seu despertar, assim como o diálogo com sua família, nada mais era que parte do sonho. E logo um intenso sentimento de angústia se apossa dele. As pessoas no sonho até perguntam o que houve, e ele hesita em ser sincero. Poderia se abrir com meros personagens oníricos ?

Após esta reflexão, em fração de segundos ele acorda (na vida real). Estava banhado em suor, taquicárdico, e tomado de um pavor sem explicação. Por que sentira tanto medo dessa experiência ? Por que isto ocorrera com ele ? Teria algum significado especial ? Ele se levanta e vai até o banheiro. Em seguida bebe dois copos de água. Seus familiares dormiam, prontificou-se a conferir. Mais calmo, ele lembra de uma oração ensinada por sua mãe, que costumava rezar na infância. Começava assim: “Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador ...” . Era do que ele mais precisava para se tranquilizar: acreditar que existia alguém muito especial olhando por ele. Embalado pelas palavras, o rapaz logo adormece.

Ao adormecer, algo mais uma vez inusitado, embora diferente da experiência anterior, volta a acontecer. Ele dormia, era fato, mas tinha plena consciência do seu sono. Não era como da vez anterior, em que ele sonhava. Desta vez, não era sonho: simplesmente ele dormia (seu corpo), mas conseguia manter a mente desperta. Nenhuma cena ou simulacro da realidade se descortinava, apenas se sentia e se observava dormindo. Sendo assim, volta a se abater sobre ele uma intensa angústia, decorrente de enfrentar o desconhecido. E, aproveitando a mente vigilante, ele tenta acordar por completo e se levantar. Contudo, seu corpo não obedecia. Insistiu, mas os membros não respondiam; formigavam, porém imóveis. A angústia então se transforma em pavor, após impotentes tentativas de despertar.

Mas chega um momento em que não adianta insistir. E, ainda que envolto em pânico, o rapaz procura refletir. Por que tanto medo ? O que o assustava tanto ? Seria a sensação de impotência, de não controlar seus desejos, seu corpo, e temer ficar prisioneiro aos caprichos de alguma deidade cruel ? Não, isto não poderia acontecer. Simplesmente porque ou não existe nada e não há outro lado, ou as velhas mitologias estão corretas e há uma consciência boa ou justa olhando por nós. Imbuído deste sentimento confortador, o rapaz começa a se acostumar com sua nova situação. Não poderia mover seu corpo, era fato. Mas a mente apresentava condições excepcionais naquele instante, como que pairava acima do corpo. Então ele resolve tentar retirar os sentidos do corpo e projetá-los nela.

Qual não é sua surpresa ao constatar que podia ver e ouvir através da mente, e não do corpo. Um ruído surdo e contínuo ocupa sua atenção, enquanto chiados e estrilos intermitentes começam a ser identificados aos poucos. Não saberia dizer exatamente o que eram nem de onde vinham, e antes que prolongasse seu raciocínio, o jovem se vira. Porém, quem se virava era a sua consciência, logo acima de seu corpo físico, e grande espanto se apossou dele ao reconhecer seu corpo ali, estático, na cama. Esforçou-se para que a angústia e em seguida o medo não se apossassem dele novamente, usando a mesma estratégia anterior de autocontrole. Com isso, foi se sentindo mais à vontade, inclusive para alçar vôos mais longos, a explorar todo o ambiente com sua nova forma expandida.

Um breve passeio pelo seu quarto lhe pareceu uma verdadeira expedição, a revelar-lhe maravilhas antes nunca vistas. Coisas estranhas estavam acontecendo, era fato. Entretanto, o medo se fora, a angústia passava longe, e a descoberta de visões e sensações inusitadas injetava-lhe ânimo e esperança. Podia enxergar as coisas de um outro ângulo, mais interessante, mais verdadeiro. Podia inclusive ver através das paredes, e através delas seus olhos alcançavam legiões de cores, formas e texturas deslocando-se pelo espaço. Estava sendo bastante prazeroso. E neste estado ele se desloca leve pelo ambiente, até que uma nesga de preocupação passa pela sua mente: o que será isto tudo ? Terei enlouquecido ? Foi o suficiente para despertá-lo, trazendo-o suavemente de volta à realidade.