CONTA-GOTAS
Carla Deboni
 
 

Porque você se foi sem dizer adeus e eu julguei que fosse apenas um até logo. E quando percebi, não houve tempo para um último aceno. Acho que você nem ouviu quando gritei no meio da rua que sentiria saudades. E que no dia seguinte colocaria sua foto no álbum dos esquecidos, como sempre fiz com aqueles que se afastavam do meu olhar. Eu simplesmente os esquecia.

Até você, que julguei uma lembrança tão forte: a tinta sempre se apaga, o motor se desgasta, a flor murcha, a água seca. Há processos necessários e inevitáveis, e por mais que acreditemos que nunca chegarão, lá estão eles, com o irremediável esgotamento para que novas lembranças tomem lugar às antigas. E essas antigas simplesmente desaparecem, como novos arquivos substituindo os já anacrônicos com destino certo na lixeira ao lado da mesa do escritório. E não é que a gente esquece mesmo?

Até das outras estrelas já não me lembro mais, substituídas por essa que agora me cumprimenta do céu. Acredito que brilhos anteriores já me emocionaram assim, mas só me lembro do que senti e não de seu causador. O mesmo com essas pernas que se entrelaçam às minhas e cujos sapatos seguem novos caminhos agora bem distantes dos meus saltos. E no final, lembro-me do tropeço, mas não dos braços que me seguraram antes que fosse ao chão.

E se alguém me perguntar, meses depois, do brilho que hoje vi, consigo prever o conto da morte anunciada. Estrela... mas que estrela?