PERDIDA NA NOITE
Patrícia da Fonseca
 
 

Festa na casa da Vivi. Eu não suportava mais. Nunca tinha gostado de sair mesmo. Quando comecei a namorar o Rodolfo aí que a gente pouco freqüentava a noite. O meu ex era uma cara sério, estudioso, inteligente. Gostava mais dos livros do que de mim. E eu era apaixonada por ele. Não me importava de às vezes ficar em segundo plano. Acho que eu nem me dava conta disto. Meus pais até me alertaram que o Rodolfo não era tão interessado assim por mim. Não dei bola. Sem ele saber, comecei a comprar as coisas para o nosso enxoval de casamento. Já tinha escolhido o nome do nosso casal de filhos. Até que chegou o dia em que ele me avisou que faria um doutorado de três anos na Espanha. Vibrei. O Rodolfo disse que iria sozinho. Desabei.

Festa na casa da Vivi. Eu não suportava mais. Aquela festa era em minha intenção. Minhas amigas queriam me desencalhar a todo custo, mesmo que eu argumentasse que não queria saber de homem tão cedo. Todo mundo se divertia naquela noite imensa que não terminava nunca. Eu continuava sentada no sofá, fazendo que bebia uma água mineral. Ao meu lado, mais ou menos sóbrio, o primo da Vivi me passava uma cantada há exatas uma hora e meia. Eu já nem escutava mais. Os outros, incluindo a dona da festa, dançavam um pagodão na garagem, quase bêbados. Teve um que vomitou no jardim da mãe da Vivi. Que nojo. Eu imaginei o que viria pela frente.

Quando não suportei mais o chato do primo da minha amiga, resolvi ir embora. Olhei para o relógio. Eram só duas horas da manhã. Jurei que deveria estar amanhecendo. Me odiei. Toda vez que alguém tentava me ajudar no que dizia respeito a me desencalhar, sempre dava errado. Que me deixassem em paz na minha solidão. Eu queria curtir a raiva que ainda sentia do Rodolfo, aquele desgraçado. Eu desejava tanto que ele se desse mal naquele doutorado na Espanha, que eu tinha certeza que ele voltaria com uma mão na frente e outra atrás. Deixei o primo da Vivi falando sozinho no sofá, entrei no carro e fui embora. Três quadras depois passei o sinal vermelho e bati em outro carro. Culpa do Rodolfo que não saía da minha cabeça. Felizmente ninguém se feriu. Mesmo assim eu fiquei furiosa. Quem era o imbecil que tinha ousado se atravessar no meu caminho?!

Abri a porta do carro tão brava como se o responsável fosse o outro motorista. Mas, quando o dono do outro automóvel apareceu na minha frente, minhas pernas meio que amoleceram. Uau, que gato! Devia ter uns 35 anos de idade, vestido todo bonitinho, talvez estivesse voltando para casa. Me apaixonei naquela hora. Nem eu sabia que estava tão carente assim. Achei que ele iria me xingar, me encher de desaforos... que nada. Ele confundiu meu abobalhamento com pavor e me tratou tão bem que chamou o guincho para o meu carro e ainda me levou para casa. Aquela altura eu já estava fingindo estar chocada com a batida para ganhar mais atenção dele. Deu certo. Ele se desmanchou em cuidados comigo, me largou na porta do prédio e me deu um cartãozinho com o nome dele. Ricardo. Que lindo! Apareci em puro êxtase às quatro horas da manhã daquela noite imensa e sem fim. Eu tinha certeza de que havia descoberto o amor da minha vida e que nada acontecia por acaso. Em menos de uma hora, o Rodolfo estava morto e cremado. Adiós, Rodolfo.

Claro que eu não pude me controlar. No outro dia liguei para o Ricardo para saber como estavam as coisas. Combinamos de nos encontrarmos ao meio dia para almoçar. Foi o máximo. Me arrumei toda, fiz chapinha, comprei uma calça justa. Fiz charme durante todo o almoço e no final, quando eu achei que a parada estava ganha, ele me anunciou que ficaria dois anos na Espanha para concluir um doutorado. Quase engasguei. Era inacreditável. Mais um. O que estava acontecendo com esses homens que só pensavam em estudar? E longe do Brasil? Dei um sorriso amarelo. Desejei boa sorte, tudo de bom, paguei minha conta e fui embora. De táxi. Talvez minha saída fosse fazer um doutorado também.
 
 
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