O BEBÊ DE MARY ANNE
Raymundo Silveira
 
 

A Mary Anne não menstrua há três meses, sempre foi desmantelada, mas nunca passou noventa dias sem apontar, está aí fora, não quis que ouvisse essa conversa, como sabes, sou a dona e o dono da casa, o pai dela, desde quando nos deixou, mal pergunta como ela vai, passa com ele um final de semana, sim, outro não, mais parece estar cumprindo uma obrigação, até a pensão deixou de pagar, diz para o juiz que é trabalhador autônomo, ora ganha, ora não, já fiz tudo o quanto podia, paguei advogado com o saldo da minha poupança, dinheiro jogado fora, queria que tu a examinasses... Tem calma, fala devagar, responde só quando eu perguntar, ela vomita, sente enjôo, dores, notaste se as manchas ao redor dos seios mudaram de cor? enfim, me conta tudo o que mudou nela desde quando parou de menstruar... Sofia te senta aí, por favor, não dá escândalo tenho uma notícia desagradável pra te dar, as coisas hoje são assim mesmo, te acalma, a Mary Anne tá grávida.

Petrificada, sem fala, da cor de algodão, depois saiu da sala de exames em disparada, deixei a menina sozinha e corri atrás, não a vi mais, soube, mais tarde, que varou, como uma bala, a sala da recepção, assustando a todos, da atendente aos outros clientes, que nada entendiam, mas faziam surdas e absurdas suposições... Quando retornei, a mocinha brincava com um peso de papel da minha mesa, tinha o semblante da inocência e, ao me ver de volta: tio me dá isso pra mim, eu faço coleção... Quinze anos incompletos, repletos de paraísos e ocos de mundo. Ainda não tinha feito o vestibular da vida devido à idade indevida. Pus-lhe a mão no ombro. Tinha sido o primeiro e o último a tocá-la até aquele instante. Fui o parteiro da mãe. Mary Anne, me conta tudo, quando foi exatamente a tua última menstruação, o que sentes, se tens namorado, o pai é quem? o pai de quem? minha querida, deixe-me ver se consigo falar consigo como se fosse minha filha... Mas eu não sou sua filha, quero sair daqui, quero ir embora...

O tempo é remédio pra tudo? não, há pelo menos uma exceção: nas circunstâncias de uma gravidez inesperada e indesejada este remédio não traz nenhum bom efeito, a não ser efeito colateral e retardado, quanto mais é administrado, mais faz mal, pois, enquanto passa, só faz aumentar a ferida... Mais: a criança, o fruto daquele tormento, à medida que cresce mais acresce sofrimento, e quando não há uma solução tolerável, estará sempre presente, a amargurar as vítimas, como se ela própria não fosse a maior de todas. Nas circunstâncias de Mary Anne quanto mais tempo, mais inferno, quanto mais remédio mais dor: Mary Anne, quem é o pai? quem é o pai? quem é o pai? o pai de quem? de quem? de quem, porra? Estou aqui com o ultra-som da Mary Anne, posso te dizer o resultado pelo telefone? Claro... Acabo de descobrir duas coisas sobre ela, é uma menina o bebê dela e o pai dela é o pai dela...