A NOITE EM QUE A LUA CHOROU
Tatiana Alves
 
 

Naquela noite a lua sorriu. E brilhou de um modo diferente, especial. Não era para menos: a noite das bruxas revelou um encontro há muito aguardado, em outro plano. Não haveria ocasião melhor. E eles, inocentes, quase não foram àquela festa. Ela, sem a fantasia exigida; ele, ensopado pela chuva que insistia em cair, varrendo a atmosfera, passando a limpo as possibilidades do existir.

Viram-se assim que ela entrou. Houve, por parte dela, uma antipatia gratuita. Talvez ela tivesse, de algum modo, sentido que ele era a sua outra metade. E isso dava medo. Cara-metade, alma gêmea, príncipe encantado... Não importava o nome, apenas a sensação que se confirmava. Sempre soubera que um dia a sentiria, e que, quando isso acontecesse, não haveria dúvidas.

Olharam-se nos olhos e dançaram uma vez. A certeza do reconhecimento ampliava-se a cada dia, e quem os visse juntos julgava serem eles um casal unido há muito, apesar de o relacionamento ser recente. Eram diferentes em diversos aspectos, mas como se pareciam! Sua primeira noite de amor trouxe-lhes a impressão de que tudo o que haviam vivido até então fora apenas um arremedo de paixão, rascunho malfeito de um desenho que só agora se esboçava. Ela possuía a convicção de que, depois dele, não poderia mais pertencer a homem algum. Soava como um sacrilégio, uma profanação.

Sabia que ele era o seu futuro, porque suas vidas realmente se renovavam a partir de então, e era seu passado, porque mesmo antes de encontrá-lo já pressentia que esse encontro iria ocorrer, em algum lugar. Era ainda o seu presente, fazendo-a viver intensamente cada momento a partir de então, um presente que chegou como uma dádiva, em dia de festa. Era sua busca e seu encontro, seu desafio e seu prêmio, e por isso ele entrava mais de mansinho em seu coração, tomando posse de um lugar que, no fundo, sempre lhe pertencera. Como um futuro do pretérito.

Compartilhando sonhos e lembranças, descobriram conhecidos em comum, lugares e turmas que haviam freqüentado na mesma época, sem jamais se esbarrar. Como se o destino tivesse, de algum modo, os tornado invisíveis aos olhos um do outro. Nessa época, a lua apenas aguardava o momento de sorrir.

Entretanto, o destino também tem seus desatinos. E a certeza sentida por ela era, nele, dúvida. Preso a paixões e canções do passado, não se permitiu a liberdade de entoar uma nova canção, aquela que dançaria de olhos fechados. E assim ele fugiu de seu caminho estrelado, enveredando novamente pelas estradas poeirentas que estava acostumado a cruzar. E naquela noite a lua chorou.