NOITE LONGA, VIDA CURTA
Teresa Maria de Magalhães Araújo
 
 

Assim que foi. Narro do lado de dentro das margens, a fundamente existida e pranteada. O despreparo para o aniquilamento é deste modo: rumina-se a saliva do abandono, misturada ao rio que nasce nos olhos. Cada dor é incomparável na imemorial desaprendizem da vida. Ela se sentiu puída, entregue ao desamparo existencial, sem encontrar o ponto macio do travesseiro, o encaixe exato da serenidade. Não havia lugar onde se regalasse, nem palavra que lhe abrandasse a aflição. Se pudesse dormir e apagar as lembranças. Se pudesse... Revisitou o diálogo incontáveis vezes:

- Você me ama?

- Te amo. Você sabe.

- Sei? Quero que ame muito, gostar não basta. Sou intenso e não me contento com coisa pouca.

- A idéia de perder você foi o teste maior para os meus sentimentos. Tive muito medo de que morresse, nem quero pensar mais nisso.

- Tenho um novo coração, pronto para se apaixonar muitas vezes.

-Como é? Muitas vezes? Espero que seja por mim... Não brinque com coisas sérias.

- Você me conhece, sou isto que vê, sem mistérios, fácil de ser conduzido. Dócil.

Todos têm suas sombras, pensou. Desvendar enigmas sempre foi um prazer para ela. Conviver com alguém tão transparente não seria tedioso? Mas logo afastou a dúvida. Havia atributos admiráveis naquele homem. Ficaria por eles. Também o desejo era menino e o corpo dele, o eleito entre tantos. Teriam tempo para desfrutar muitas alegrias juntos.

-Faz sete horas que estamos juntos e não nos cansamos de conversar. Percebe que um tema abre-se para outro e para outro e nos alimentamos deles?

- É verdade. Tão bom isso!

- Principalmente por essa razão, quero envelhecer ao seu lado. Saciado o desejo, teremos muito a partilhar, ainda.

Ela sorriu, certa de que seriam felizes. Ousou contar:

- Ontem estive lá, conversei com sua amiga.

- Foi lá? Não acredito que fez isso! Agindo assim, me dá espaço para também freqüentar o lugar.

- Estava sem sono. Dei só uma passadinha, não se preocupe. Falei apenas com ela, que me abordou. Sabe quanto é curiosa. Foi agressiva e o chamou de tolo.

- Tolo, eu?

- Foi o que ela disse. Eu o defendi como pude.

A opinião da amiga atingiu-o como um bólido. O sorriso perdeu-se nos olhos e nada mais fazia sentido, nem tinha graça. Ficou possuído pelas duas sílabas: to-lo. A atitude da moça era um ardil? Os dois, afogados entre a vaidade e o ciúme, foram capturados pela astúcia da outra. A tessitura amorosa, os cuidados, os conflitos, os acertos, os orgasmos, tudo foi engolido pela palavra tolo. Os sonhos se desataram vítimas da fragilidade afetiva. Os projetos quebrados, como dois frágeis cálices, derramaram a noite imensa sobre os dois.