ABANDONO
Vera Vilela
 
 

Eu era ainda um bebê e não entendia quase nada quando me tiraram do lado da minha mamãe e dos meus irmãzinhos. Senti muito frio naquele momento e comecei a miar muito alto:

- Mamãe! Mamãe!

Minha mamãe também não estava entendendo nada e me chamava de volta para o ninho, mas como eu podia fazer isso se aquelas mãos grandes e fortes me apertaram e enfiaram dentro de um saco de pano.

Eu chorei muito e tentei enfiar as unhas naquele humano, mas minha unhinhas ainda eram muito pequenas e frágeis.

E o humano andou muito e o choro de minha mamãe foi ficando cada vez mais longe. Eu cansei de chorar e resolvi esperar, talvez fosse preciso aquele passeio, eu não sabia o que estava acontecendo. Fui fechando meus olhinhos e acho que dormi, acordei com um susto quando percebi que estava no ar, e caindo, caindo.

Foi então que percebi que o saco estava se enchendo de água, estava muito escuro e frio, comecei a tremer, mas a vontade de me salvar era maior.

Com muito esforço consegui sair do pano que me prendia e toda aquela água me cobriu. Comecei a bater minhas patinhas e percebi que isso me deixava sobre a água, continuei batendo, batendo, já estava muito cansada, pensei que ia afundar, mas cheguei até a margem e consegui enfiar minhas unhas num tronco de árvore caída.

Chacoalhei-me toda e tentei me lamber para tirar aquele cheiro ruim do meu pêlo, mas fui ficando fria, fria, mal conseguia me mexer.

Foi então que vi um buraco no barranco e resolvi entrar lá para ver se era mais quentinho. E deu certo!

Estava bem melhor lá dentro. Dei umas voltinhas, afofei a terra e me deitei bem enroladinha. Fui esquentando devagar, mas não parei de miar porque minha mamãe precisava me achar.

Quando estava quase dormindo senti uma mordida no meu rabinho, era um rato enorme que havia entrado no buraco, consegui correr e sair dali.

Subi o barranco tremendo de frio e de medo e descobri que devia estar mesmo muito longe de casa, eu não via nada, só muito mato e estava muito escuro.

Aconcheguei-me no meio das raízes de uma árvore e tentei ficar quietinha para nenhum outro bicho me achar, foi então que comecei a ouvir barulhos fortes vindos do céu e luzes que piscavam e iluminavam todo o mato.

Não demorou muito e começaram a cair gotinhas de água do céu, elas vinham geladas e aumentavam ainda mais meu frio. Meu corpinho todo doía muito e eu comecei a chamar pela mamãe de novo, mas ela não me ouvia. Em volta de mim formou uma poça de água e eu fiquei ali deitadinha e chorando. A noite foi muito longa.

Aos poucos o escuro da noite se foi e o Sol foi chegando de mansinho. Eu tentei me levantar, mas meu corpinho doía muito e eu quase não enxergava nada. Eu estava gelada e minhas patinhas duras, eu nem conseguia mexer meus dedinhos.

Comecei a sentir muita fome, queria muito agora estar encostadinha no corpo quente e peludo da mamãe e poder tomar um pouquinho de leite.

O Sol começou a me esquentar e eu estava muito suja e fedida, resolvi tentar achar a casa da mamãe.

Levantei-me e saí andando e miando, cambaleando de dor e fome. Andei muito, minhas patinhas tão macias estavam machucadas e doloridas. Eu chorava muito o tempo todo. Não agüentava mais andar então caí, deitei minha cabecinha no chão, um gramado fresquinho e acolhedor, pensei então que ia morrer ali mesmo.

Olhei para frente e vi que tinham humanos pequenos brincando bem pertinho dali, talvez fosse o que minha mamãe chamava de escolinha de humanos. Comecei a miar alto, juntei as forças que ainda tinha e miei muito, muito.

Vi então uma humana correr em minha direção. Quando me viu, levou-me ao seu colo e embrulhou-me num paninho que estava em sua mão. A única coisa que me lembro é que senti uma segurança muito grande, de repente fiquei quentinha e dormi.

Quando acordei estava numa caminha muito fofinha, cheia de paninhos quentinhos. A menina me trouxe um pratinho cheinho de leite quente. Que delícia!

Tomei todo o leitinho e me deu uma dorzinha na barriga, procurei um lugar e achei uma caixinha cheia de areia fofinha. Então fiz minha sujeirinha lá e cobri muito bem para não ficar com meu cheirinho.

Eu já ia me deitar novamente quando a menina humana me levou ao colo, conversou muito comigo, fez carinho na minha cabeça e me levou para outro lugar da sua casa.

Meu coraçãozinho disparou de medo, e ainda mais quando vi que ela veio com água para me molhar, tentei escapar, chorei, mas não teve jeito, ela me deu um banho, e sabe que foi gostoso?

Ela me enxugou como minha mamãe fazia e ficou um pouco comigo no Sol.

Nossa! Como eu estava cheirosa.

Voltamos para dentro da casa e ela me colocou na caminha. Dormi muito tempo, quentinha e cheirosa. A partir desse dia não chorei mais pela minha mamãe, afinal eu tinha arrumado outra.

Descobri pelos outros humanos da casa que o nome da minha humana era Priscila e o meu passou a ser Lindinha.

Nunca vou esquecer de minha mamãe e dos meus irmãos e também do humano malvado que me abandonou. Aqui nesta casa sou feliz, tenho comidinha, carinho, cama quentinha e muitos agradinhos, bem diferente daquela terrível e imensa noite.