CRIANÇAS DE FAVELA
Sonia Regina Rocha Rodrigues
 
 

Bem no horário de pico, no ponto em frente ao mercado, onde entra e sai uma multidão de passageiros, foi que eles entraram no circular, tagarelando animados.

Lá vem a turminha levada - anunciou o motorista.

Uma meia dúzia de meninos e meninas, o mais velho não teria mais de sete anos, pálidos, magros, exibindo sinais evidentes de desnutrição em sua compleição óssea, cabelos ralos e quebradiços e olhos grandes brilhando curiosos.

Com a cumplicidade do cobrador, passaram por baixo da catraca, ajudando-se mutuamente, passando de mão em mão os livros escolares, esgueirando-se por baixo da estreita catraca, equilibrando-se no veículo em movimento como podiam, sem alcançar os altos canos de apoio. Não que fossem gastar o dinheiro da condução em balas, não; é que, não tendo como pagar, não fosse a vista grossa do cobrador, teriam de percorrer sob o sol a pino o longo caminho para casa.

Preparei-me para um tumulto.

O grupinho instalou-se no fundão, tão quietos e educados que nem parecia haver crianças no ônibus.

O circular seguiu pelos bairros periféricos de São Vicente, atravessou a ponte sobre o mar, passou sobre o manguezal, adentrou o continente, rodou um trecho movimentado de estrada até chegar a Huamitá.

Ali a turminha desceu, um auxiliando o outro para pular o alto degrau do ônibus, acomodando às costas as mochilas, acenando alegremente para os conhecidos.

E puseram-se a brincar e a cantar, com evidente prazer.

E eu perguntei-me como seria possível risos e felicidade naquela sujeira, naquela miséria, naquela longura?

Indiferente a especulações sociológicas, a cantoria espontânea espalhava-se por entre as ruas de terra, por entre as casas sem reboco com telhas de zinco.

Eu observava a cena como quem presencia um milagre. O ônibus afastou-se e as crianças penetraram no coração da favela, a saborear a vida. Celebrando...