MALES ALHEIOS
José Luís Nóbrega
 
 

O templo estava lotado. O pastor chegou para o culto noturno com o mesmo terno azul de sempre, mas parecia um tanto quanto cansado. Fez algumas leituras com a voz baixa, deixando alguns fiéis dos últimos bancos em dúvida sobre o que de fato ele balbuciava. Terminada a leitura, iniciou as pregações...

Tirou as últimas forças de uma respiração longa e profunda. Começou perguntando, agora aos berros:

- Quem aqui está com dor de cabeça? Quem aqui sofre com dores na máquina que foi criada para o bom pensamento, mas que se perde em pensamentos demoníacos? Quem? Quem? Seria impossível ninguém sofrer de dor de cabeça entre aquelas centenas de pessoas. No entanto, apenas uma senhora ergueu a mão lá no fundo do templo.

- Respire fundo, irmã! Feche os olhos! Pense em coisas boas, passe a mão pela cabeça! Isso, passe bem devagar... Pensamentos positivos! (a igreja é um silêncio só). Agora abra os olhos! A dor de cabeça passou? – a mulher sorri, faz sinal de positivo com o polegar da mão direita. - Glória! Glória! Glória!, diz ele, soltando outro suspiro profundo ao final. A multidão repete: Glória! Glória! Glória!

- Quem aqui sofre de gastrite, queimação no estômago? Quem aqui sofre desse mal que aflige pessoas ansiosas, pessoas materialistas, pessoas que não se contentam com o que têm? Agora uma dezena de pessoas levanta as mãos. Homens, mulheres, jovens, idosos...

- Respirem fundo, irmãos! Fechem os olhos! Pensem em coisas boas, não pensem nas contas para pagar, nos problemas em casa. Pensamentos positivos! (uma criança chora em um dos bancos do fundo, uma outra começa a correr pelo corredor). Agora abram os olhos! A queimação passou, a dor no estômago passou? Algumas pessoas fazem sinal positivo com o polegar, outras movem a cabeça para cima e para baixo em sinal de confirmação. - Glória! Glória! Glória!, grita o pastor. A multidão repete: Glória! Glória! Glória! (crianças choram e gritam, enquanto os adultos repetem as palavras com os olhos fechados).

- Quem aqui sofre com dores musculares, com dores nas costas, com dores aqui e ali, com dores que parecem perfurar a nossa alma? Quem sofre com essas dores que nem os médicos sabem de onde vêm? Quem, quem? Desta vez parece que a grande maioria dos fiéis sofre de dores difusas pelo corpo. A igreja é só braços levantados. O pastor transpira, as mãos estão trêmulas, olhos no fundo. Parece não respirar, mas ordena para a multidão, abrindo os braços como quem está prestes a ser crucificado:

- Respirem fundo, irmãos! Fechem os folhos! Pensamentos positivos, isso... (dá uma pausa, respira fundo junto com os fiéis). Passem as mãos pela cabeça, pelos braços, peito... Não pensem nos caminhos sinuosos da vida! Pensem em coisas boas, pensem em planícies, montanhas, pensem nas belezas do Universo... (abaixa os braços, fica em silêncio por alguns segundos, o suor a escorrer pelo rosto). As dores passaram? Sem abrir os olhos para ver se havia alguém com a mão levantada, emendou rapidamente:

- Glória! Glória! Glória! Antes que a multidão repetisse o refrão, o pastor sai do templo a passos largos.

Chegando em casa, passa pela sala sem cumprimentar a esposa. Vai para a cozinha, pega um copo d’água gelada. Abre a gaveta, apanha um comprimido de Neosaldina com a mão trêmula. Está com a cabeça explodindo. Toma o remédio, depois coloca na boca uma cápsula de Amitril, engolindo-a antes de beber o restante da água. Passara o dia todo com uma dor nas costas daquelas. Bem, depois dessa automedicação, leva para a cabeceira da cama um comprimido de Omeprazol. Com certeza, acordará na manhã seguinte com uma queimação estomacal... daquelas...