"CASAL 20"
Ana Stela
 
 

Algumas histórias são contadas e recontadas nas comunidades onde aconteceram, adquirindo, ao longo do tempo, características folclóricas. Mudam-se os nomes, acrescentam-se alguns detalhes, mas o fato gerador permanece inalterado. Eis um exemplo, que tanto poderia ter acontecido aqui no interior das Gerais, quanto aí, na grande cidade, ou em qualquer outro ponto deste vasto mundo!

Quando se encontraram pela primeira vez, foi amor à primeira vista. Ela, uma garota muito bonita e educada; ele, um rapaz elegante, bem vestido, boas maneiras. À medida que os encontros se sucediam, mais e mais se apaixonavam. Afinal, ela encontrara o seu príncipe encantado: bonito, rico, charmoso. E ele encontrara a mulher da sua vida: meiga, delicada, submissa e prendada. Além das juras de amor, trocavam gentilezas e pequenos mimos. Na visitas dele à casa dela, era sempre recebido com alegria e uma farta mesa de lanche (tudo preparado em casa, nada desses produtos industrializados, comprados prontos, sem a emoção do fazer com amor). Ao partir, ele sempre deixava uma lembrança mais concreta, um símbolo de sua estima e interesse por ela: um pingente, um delicado par de brincos... Tanto se agradavam, que o inevitável aconteceu: marcaram casamento, fascinados que estavam pelas qualidades um do outro. Foram morar numa linda casa de praia, da qual –ela descobriu estupefata- ele era apenas o jovem caseiro, em substituição ao pai que falecera pouco antes daquele primeiro encontro do casal. Ela engoliu o desgosto, porque na verdade nunca havia perguntado de quem era a propriedade onde tantas vezes passaram o fim de semana, nos tempos de noivado. Relevaram o mal-entendido.

Na convivência da vida conjugal, ele pôde constatar que a prendada mocinha nada entendia de administração do lar e nem sabia sequer fritar um ovo! Todos aqueles docinhos e salgadinhos que ele saboreava na casa dela, eram feitos pela sogra. Mas ele também nunca havia perguntado quem era a cozinheira de mãos de fada que o presenteava com as guloseimas. Relevaram mais uma vez.

Porém, o encantamento –cristal fino de emoções acalentadas no íntimo de cada um-, esse já havia se quebrado, causando tremenda decepção aos pombinhos. E, sem entender como puderam se enganar tanto, nunca mais foram os mesmos. A vida tornou-se triste, com um sabor amargo (tão diferente dos docinhos de outrora!) e sem brilho (como o que tinham as lindas jóias que ela ganhava no começo do namoro!). Pobres e sem talento, dividiram o mesmo teto por mais de 30 anos. A tal casa da praia foi vendida pelos donos e os dois, sem economias financeiras nem tesouros de sentimentos, foram morar num asilo.

A vida, às vezes, nos aplica golpes duros, golpes baixos, destruindo as ilusões que tecemos enquanto damos asas à nossa imaginação. Viver e ser feliz é, acima de tudo, saber encarar a realidade de frente, sem fantasias, com objetividade e com clareza de ideais.