VERDADE MAL CONTADA
Cris Dakinis
 
 

Os noivos trocaram abraços, beijos e afagos apaixonados logo que se viram. Haviam passado, devido às exigências profissionais, mais uma quinzena distantes um do outro. Ela percebeu, de logo, algo errado nele... uma espécie de nervosismo indisfarçável...

__ Você parece diferente. Que aconteceu?

Ele suspirou. Esforçou-se em lembrar-se dos pormenores que havia “ensaiado” a fim de revelar o inesperado transtorno ocorrido:

__ Perdi a aliança. Calma, que te explico tudo...

Deveria ele ter iniciado a contar de outra forma? Talvez, pronunciando, em primeiro, a palavra “calma”... Fato é que a moça pôs-se a indagar, reclamar e chorar, sem dar tempo às devidas explicações que ele tão bem elaborara. Afinal, ela silenciou amuada para ouvir dele sobre o incidente ocorrido.

Ele explicou que o pneu do carro estourara na estrada e que, antes de lidar com as ferramentas, temeu arranhar a aliança, retirando-a e colocando-a no porta-luvas. Enquanto ele apanhava o estepe, apareceu-lhe um rapaz, que passando de bicicleta pelo local, ofereceu-se para auxiliá-lo. A ajuda caíra do céu, pois o rapaz tinha imensa prática e operou a troca com surpreendente rapidez. Ele decidiu, evidentemente, retribuir os serviços do solícito rapaz, e deu-lhe uma gorjeta, sacando-a de sua carteira, que estava dentro do porta-luvas. De volta à estrada, dirigindo, lembrou-se da aliança e encostou o carro a fim de recolocá-la. Porém, para sua surpresa, não mais a encontrou. Retornou com o carro ao local aproximado de onde parara para a troca do pneu. Procurou pelo acostamento, pelo assoalho do carro... procurou, ainda, pelo rapazinho que o havia ajudado... tudo em vão! Desistiu, pois já se fazia noite e ele, decerto, não conseguiria mais encontrar a aliança. O único jeito era mandar fazer outra...

Após ter ouvido todo o relato do noivo, a moça pôs-se a chorar descontroladamente, e o acusou: __ Mentiroso! Como consegue mentir tão descaradamente?

__ Mas é a mais pura verdade!!! Bradou o rapaz, sem mais saber como agir.

__ Eu sei que é mentira!

__ Você acha isso por quê?

__ Porque você jamais dá gorjetas! Conte-me logo o que aconteceu... ou terminaremos o noivado agora!

Ela recomeçou a chorar. Ele considerou... reconsiderou... “Por que não sabia mentir”? “Ela era muito sagaz... as mulheres sempre o são... tudo porque ele não costumava dar gorjetas?”... E ela a chorar, cada vez mais inconsolada...

__ Está bem! Quero dizer, não está bem... mas você está certa. Não foi nada disso o que aconteceu...

E foi aí que ela passou a chorar e a gritar-lhe impropérios cada vez mais altos, sem lhe dar chances de prosseguir com as devidas explicações.

__ Seu sacana! Golpe baixo seu! Conte a verdade, ande! Que... “verdade mal contada”! Saia da minha frente! Pra mim, tá tudo acabado!

E ela continuava a chorar e a soluçar cada vez mais alto. Ele resolveu acabar logo com aquilo contando-lhe a verdade, que de tão absurda e ridícula, parecia até mentira:

Ele parara com o carro a um posto para abastecer e decidira ir a um caixa automático para sacar algum dinheiro, mas antes de chegar à cabine do banco, fora parado bruscamente por uma cigana com roupas extravagantes.

A senhora, mais que depressa, tomou-lhe as mãos e começou a proferir palavras enquanto lhe observava, atentamente, ambas as palmas. Ele tentou afastá-la explicando estar sem dinheiro para lhe pagar, mas ela sorriu-lhe, docemente, dizendo não pretender recompensa em dinheiro __ somente dos céus! Era o que a senhora dizia... E num assomo de curiosidade, ele deixou-se levar pelas prescrutações da senhora ricamente adornada. Ao dar por si e pela atenção que atraía dos frentistas do posto de combustível, decidiu despedir-se da “desinteressada” senhora e rumou estrada adiante. Adiou o saque do dinheiro para quando chegasse ao seu destino. E foi quando se lembrou do que a amável senhora dissera-lhe sobre seu destino, que reparou a ausência, em seu dedo, da aliança de ouro de noivado. Mal pôde acreditar em sua própria cretinice. Retornar ao posto seria submeter-se a um vexame horroroso, e era evidente que ele não mais a encontraria lá... “a paga viria dos céus...’ Estava explicado o motivo dela ter dispensado pagamento pela leitura de suas mãos. Ele admirou-se da habilidade da velha cigana, pois a aliança estava bem justa em seu dedo. Mas ele caíra como um “pato”, e era tudo tão inverossímil, que se ele revelasse o ocorrido à sua noiva, ela decerto não acreditaria. Eis por que ele inventara toda aquela estória que lhe pareceu perfeita, além de lhe resguardar do ridículo de ter dado ouvidos a uma cigana de estrada. E para surpresa sua, ao observar o rosto de sua noiva, após seu relato do real e vergonhoso episódio passado com a velha cigana, reparou que ela lhe sorria...

Fizeram as pazes. Ele conseguira retratar-se de sua “verdade mal contada”.