MEDO NA MADRUGADA
José Luís Nóbrega
 
 

Quatro e meia da manhã. Acabara de sair do trabalho. Cansado, com fome, com sono, caminhava por uma velha ponte metálica, construída por um engenheiro escritor. Não pensava na ponte metálica, nem mesmo no engenheiro escritor, pensava só nas contas a pagar. Outro pedestre vinha em sua direção, causando-lhe assim, um certo receio.

O receio foi se transformando em medo. Apertou o passo, o homem que vinha em sentido contrário também. Mudou de calçada, viu que o outro também o fizera. Pensou em voltar, dar meia volta e caminhar em sentido contrário ao cidadão que se aproximava a passos largos. Ao olhar para trás, avistou um pequeno vulto que entrara naquele instante na ponte construída há mais de um século por um engenheiro escritor.

Teve vergonha de si mesmo. Por que aquele medo? A vergonha foi se dissipando, dando lugar agora não mais ao medo, mas ao pânico. O encontro dele com seu algoz seria inevitável. Passou a caminhar lentamente. O homem à sua frente apertou ainda mais os passos.

Olhar perdido no chão, as duas mãos nos bolsos apertados da calça. O estranho parou então à sua frente, não lhe restando outra alternativa senão parar também, já que o engenheiro escritor fizera a calçada da ponte para apenas um pedestre em cada direção.

- Boa noite! – disse o homem. Ouvia-se naquele instante só as águas do rio sob a ponte, e o caminhar do pequeno vulto que vinha logo atrás.

- O senhor tem horas? – insistiu parado em frente o outro que ainda olhava para o chão, com as duas mãos enfiadas em bolsos apertados.

Possuía um velho relógio Omodox, ano 1958, com dezessete rubis, presente do falecido patrão. Não devia valer muita coisa, mas para seu dono, o valor sentimental da peça valia mais que qualquer jóia do mundo. Foi tirando a mão esquerda do bolso beeemmm devagar. Certamente aquela seria a última vez que veria o relógio antes de ser levado por um sujeito que nem mesmo conhecia o rosto.

- Quatro e trinta e... cinco. Tirou os olhos do relógio e olhou com atenção aqueles enormes sapatos pretos que não se moviam.

- O senhor tem um cigarro? – replicou o dono dos negros sapatos.

O outro lembra então que o adiantamento feito pelo patrão naquela noite estava no mesmo bolso do maço de cigarros. Dar ou não dar um cigarro? E se o dono dos sapatos pretos visse o volume de dinheiro? Além do relógio, ficaria também sem parte do pagamento do próximo mês. Com a mão trêmula retirou o maço do bolso. Sem olhar para a face do seu interlocutor, entregou um cigarro. O som dos passos do pequeno vulto que vinha logo atrás estava tão próximo que encobria o barulho das águas.

- Mãos na cabeça!

Olhou para o homem de sapatos pretos, e ele já estava com as duas mãos levantadas. Se a ordem não emanara dele, então, viria de quem? Sentiu uma ponta fria nas costas. Aquilo só poderia ser o cano de uma arma. Uma voz de adolescente ordenou: - Passa o relógio, a grana... Ouve-se então um “tiguuummm” vindo do rio. Os sapatos pretos não mais estavam ali parados, nem mesmo seu dono, que acabara de pular naquelas águas pardas...