DECLARAÇÃO DE INSANIDADE
Antony Bergson
 
 

p. não acordou assustado. Não era a primeira vez que ele passava sem dormir. Já faziam 4 dias que ele não dormia. Estava completamente esgotado. Ficava em silêncio o dia todo. Estava acometido por uma doença? Pouco se sabe sobre isso. O fato é que ele acabou sendo internado numa clínica para acalmar seus nervos. Ele poderia sair quando quisesse. Colocaram-no lá mais por prevenção do que por qualquer outra coisa. Aceitou sem reclamar, pois estava cansado com sua vida. Trabalhava, estudava, namorava, não pensava em si nem 10 minutos por dia, essa era sua chance de filosofar.

Chegando na clínica, muitos se aproximaram dele, olhando ele espantado, porém, alguns estendiam a mão. Alguns, leia-se duas pessoas: uma velha de óculos e um rapaz gordo da sua idade.Foi direto pro quarto e deitou-se na cama, pensando em infinitas coisas. Logo veio uma enfermeira conversar com ele. Ele achou ela gostosinha, e começou a inventar coisas pra prender a atenção dela. Ela conversava abertamente com ele. Era o que ele achava.

No dia seguinte, passou com o médico e, por acaso, o mesmo sabia coisas que ele tinha conversado com a enfermeira. Na hora a única coisa que veio a cabeça dele foi “Vadia!”. Mas manteve a calma e confirmou tudo que o doutor dizia, acenando com a cabeça.

Então saiu do seu quarto, onde dormia três pessoas além dele, e foi para a sala. Começou a conversar com uma mulher balzaquiana sobre poesia. Soube que a mulher era viciada em cocaína, era pintora, e tinha chutado com a canela a privada porque tinha deixado cocaína cair no chão. Ele desconfiou. Então, ela mostrou sua canela, que estava roxa e meio avermelhada. Deduziu que a mulher estava ali a pouco tempo.

No dia seguinte, acordou, fez todas tarefas que tinha que fazer, as terapias e toda aquela merda pra ocupar o tempo. Depois sentou-se na sala e assistiu um filme de desenho animado. Mas desistiu no meio do filme. As outras pessoas que estavam ali, uns 3, incluindo o gordo que cumprimentou ele no dia que ele chegou. Saiu e foi pro seu quarto, onde ficou lendo por 3 horas seguidas.

Foi pra sala, e lá estava o gordo. Puxou conversa. E interessado, pediu que o ele contasse por que motivo estava ali. O cara começou a contar uma história de que ele saiu pra acampar sozinho, e então começou a misturar sua história com a do desenho que tinha assistido. P. logo percebeu essa mistura, e provocava perguntando coisas semelhantes a do filme. Ficou escutando durante cerca de meia hora aquela história maluca que era a mesma do filme, ou o filme se inspirou nele?

Chegou a noite, muitos tomavam o remédio e dormiam, mas P. e mais uns 4 ficavam acordados. Na mesma sala(a única que tinha, que era o primeiro cômodo de para quem entrava na clinica), colocou uma música leve e ficou conversando com a garota pintora. Então, ele começou a pensar que todos eram pirados de verdade, e ele não, mas tinha que se sujeitar a ficar ali se fingindo de anormal. Pouco importava.

Foi então que chegou um cara na clinica. Por volta das 23:00. O cara era a cópia do Elvis Presley. Os 5 olharam espantados. Só podia ser usuário de drogas. Mas com aquele perfil, era estranho que ele estive aceitando se internar. Geralmente quem se interna por drogas é quem já está tendo sérios problemas, está no fundo do poço, e aquele cara estava bem, muito bem por sinal.

Entrou, e ficou na sala fumando. A garota pintora já puxou conversa. P. se aproximou. O cara só falou que era usuário de drogas, mas conseguia controlar. Depois parou de responder as perguntas que ela fazia. Até que ela desistiu e saiu da sala, emburrada, indo pro seu quarto dormir. Passou-se mais um tempo e todos foram dormir, menos o novato e P, que aproveitou pra ouvir o motivo que levava aquele cara a se internar. Todos motivos que tinha escutado e percebido até agora justificavam a presença dos loucos ali.
Não sabia como se aproximar do novato para arrancar dele o motivo real da sua internação. P. pediu um cigarro, o cara deu. Então perguntou se ele gostava daquela música. O novato pediu que P. aumentasse um pouco o volume, pois estava muito baixo e ele não estava entendo a letra. Falaram sobre música, mulheres, drogas, etc.Até que P. perguntou naturalmente por que ele estava ali. O cara disse que só ia contar se P. não fosse interpretar aquilo como atestado de sua loucura, pois era real o fato que aconteceu com ele. P. disse que ele também estava ali meio que sem motivos, se comparado aos casos que ouviu desde sua chegada, no dia anterior.

O novato confessou ter visto Deus. P. não se assustou. Então ele continuou: “Eu tinha ido comprar droga de carro. Aí, fui no beco dos Mortos, conhece? Sempre vou lá, pra usar porque é sossegado. Usei e fiquei no carro escutando um som. De repente escutei alguém batendo no porta-malas do carro, quando abri veio uma luz forte. Era Deus! Ele estava se escondendo. Pode parecer mentira, mas é real. Escondi o carro, que era do meu pai, esse cara de barba que veio me trazer. Não queria que ele descobrisse que Deus estava no seu porta-malas. Mas ele usa o carro pra trabalhar. Então no dia seguinte eu cheguei em casa sem o carro. Disse que tinham roubado. Ele desconfiou e eu acabei dizendo que Deus estava lá, e por isso escondi o carro. Então resolveu me internar.”

P. ouviu a declaração de insanidade e pensou sem dizer nada: Deus estava no porta-malas desse cara e todos religiosos procurando desesperadamente por Ele. Esse cara vale ouro! Após essa reflexão, soltou um riso suave, que serviu de motivo pra que o cara pensasse que P. estava desdenhando dele, e então foi dormir.