DE CONFISSÕES, DECLARAÇÕES E ADESÕES
Vilson Palaro Júnior
 
 

“Descobri que te amo, que te quero, que preciso estar contigo. Me chama? Hoje, ainda?”. Era o terceiro e.mail que Bete me mandava nos últimos três dias.

- Mas como me ama? Se mal me viu, se nem sabe do que gosto? Disse a mim mesmo.

Tinha ainda a mensagem na tela do computador, quando Paulo se aproximou, leu e me disse:

- É... Deus dá asas a quem não sabe voar... Uma deusa dessas... Ah se fosse comigo!

- Se fosse contigo? Pensei: - Cavalgavas a moça e anunciavas num outdoor pelo seu bairro.

- E por que você fica aí, feito bobo, enquanto seus amigos se divertem? Nem parece homem! Meu pai me censurava aos treze anos; lembrança que ainda me faz sentir muito ódio.

- Homem? Esse ser capaz de trair a cumplicidade intencionalmente fingida à sua parceira, pelo puro prazer de se fazer grande aos olhos dos amigos? Isso é ser homem?

- Mas o que há contigo? Indagou-me por aquele tempo Milton, que namorava minha irmã mais velha: - Eu vi a Cláudia enrolada em seu pescoço e não rolou nada?

- Mas por que teria que rolar? Eu mal a conheço, não sinto nada por ela.

- E o que tem a ver sentir com o que estou falando?

- Tem que eu não vejo o sexo como causa pra me relacionar com alguém.

- É o quê, então?

- O amor é a causa! O sexo vem junto, é conseqüência. Pra mim e pra quem estiver partilhando comigo. Não é pra contar na roda do bar que eu quero sexo.

- Ah, isso soa muito legal, mas lá no país das maravilhas. Por aqui, na vida real, a gente tem que traçar as mulheres que encontra e guardar sempre o odor do sexo nos dedos, pra lembrar, nas horas de solidão.

Imagino o que ele diria se, na ocasião, lhe dissesse que o amor, para mim, não distinguia o sexo das pessoas. - Seria um escândalo! Concluo comigo mesmo.

- E o Adilson? Está ficando um rapaz tão bonito, não é mesmo? Quem ele está namorando? Perguntou, a meu respeito, a professora no colégio.

- Está namorando o Luiz, pois só anda com ele. Gracejou Ana, colega de classe despeitada pelo meu desinteresse por ela.

- É bicha então? Cogitam os demais.

Não. Mas o certo é que aquela gente, sempre desconfiada, sentia por mim um misto de repúdio e curiosidade.

- Escuta, por que você não acaba com isso de uma vez? Vai lá e faz a Bete feliz homem! Era o Paulo, trazendo-me à realidade.

- Ele quer é que eu entre no jogo. Pensei.

- Olha Adilson, não dá pra continuarmos juntos. Não sou como você e estando contigo não posso ser o que quero. Ainda acabo te traindo e não acho legal que seja assim. Disse-me a Bee, ao terminar o namoro comigo, quando eu, aos dezoito anos, arrasado, me indagava:

- Não há espaço neste mundo pra viver como eu sou?

- Estou arrependida do que fiz. Disse-me ela no dia seguinte.

- Está bem. Continuamos juntos. Mas de hoje em diante eu entro no jogo! Disse com ódio.

- E vale a pena viver assim? – Indago-me até hoje em meus momentos de solidão. – Se vale, por que a opressão na alma? Qual é, afinal, a regra, o sentido deste jogo?

- Declarar-se! Tomar partido. Essa é a regra do jogo! Conclui, sentindo uma espécie de explosão na mente.

- Tem razão Paulo, - disse-lhe após um breve intervalo. - Bete está mesmo a se declarar pra mim.

- Ah quer dizer que você acordou? Que vai topar então?

- Topar? Aderir? Declarar-me? Ser homem conforme o padrão dele? O de meu pai? O de Bete? Ser bicha, conforme o padrão de Ana? Dos colegas da escola? Pensei.

- Mas você já cedeu, já não é mais aquele que via o amor como causa de tudo... Adverte a consciência.

- Cedi, é verdade.

- E não te foram boas as experiências? Nada ficou disso tudo? Insisto comigo.

- Ficaram os seios de marfim da Bee... Os mamilos perfeitos de Adriana... As coxas bem feitas de Valéria... Os lábios de Marisa... Porções anatômicas, fragmentos despersonalizados, nos quais, eu sinto, ainda busco o que amar.

- Mas elas não têm identidade, não têm vida dentro de você? Pergunto a mim mesmo.

- Não. Elas são só a representação de algo a que eu dei minha adesão, algo que eu declarei ser naqueles momentos.

- E o que você declarou não correspondia à verdade?

- Integralmente, não.

- E o que tem vida em você, afinal?

- Tem vida a Bee que eu amei antes de me render a esses rituais despersonalizados de sexo, o Luiz, amigo com quem partilhei momentos de felicidade ímpar, antes de me render ao padrão masculino.

- E se acaso essas situações tivessem te levado espontaneamente ao sexo? Supões que teria sido mais feliz? Continua a consciência.

- Sim. Por amor, eu sei que sim.

- Mas isso, nem às paredes confessa, não é mesmo?

- É, é isso mesmo. – Concluo, comigo.

- Hei, mas o que há contigo afinal? Paulo novamente me desperta do meu devaneio.

- Não há nada. E sabe o que mais? Acrescentei, já um tanto irritado: - Se você quer tanto voar com uma deusa, voe, mas por seus próprios meios, porque eu não tenho nenhuma declaração a fazer a Bete, a você, ao meu pai ou ao mundo. Até amanhã, meu caro.

- Tá louco? Disse Paulo, meneando a cabeça ao me ver sair, sem entender o que se passava.