VIDA QUE SEGUE...
Silvia Pires
 
 

Estou sentada, olhando pela janela o dia chuvoso, típico de Sampa. Mas na verdade, meu pensamento está bem longe. Imagino que ela já esteja a meio caminho do Rio, dirigindo displicentemente seu fusca vermelho pela Dutra, com o pé afundado no acelerador, o som dos alto-falantes numa altura indecente, que só mesmo ela é capaz de agüentar, e acompanhando a letra de sua música preferida: “O mundo é bão Sebastião....”

Fico pensando de onde ela tira toda essa energia. Provavelmente de sua imensa coragem de enfrentar a vida e seus desafios, de recomeçar sem medo sempre que necessário.

Lembro-me da conversa que tivemos enquanto ela arrumava as malas, com a naturalidade inata de quem já nasceu com a mochila nas costas.

- Mas o que te deu desta vez, indo pra tão longe? – perguntei, incrédula com a notícia.

- Então... você sabe como sou, nem pensei direito quando me candidatei para o cargo – sorriu e continuou – e aí, de repente chega o telegrama informando que fui aceita e que poderia começar imediatamente.

- Mas lá no Rio? Tão longe de nós? Você vai largar tudo de novo? – a metralhei de perguntas, sem piedade.

Ela olhou seriamente para mim e disse:

- Largar o quê? – e continuou sua arrumação.

E assim, sem resposta, ela se foi.

A verdade é que ela tem razão, não há nada que a prenda aqui ou a qualquer outro lugar. E pra ser bastante sincera, fiquei com uma pontada de inveja desse seu jeito, dessa facilidade de se desprender de tudo e de todos, de se desapegar e seguir seu caminho.

Claro, não é fácil para eu ver minha melhor amiga e minha irmã, indo embora. Contudo, é exatamente assim que ela é, e é o que a torna tão especial. Ela é livre, nasceu livre, cresceu livre e permanece livre, seu espírito tem asas, e ninguém é capaz de prendê-la.

A mim, só resta imaginar suas aventuras e me entregar à ilusão de que poderia ser igual a ela. Com sua infinita capacidade de adaptar-se ao novo, de se embrenhar no desconhecido e descobrir novos caminhos, enquanto nós, simples mortais, continuamos agarrados as “coisinhas” diárias e corriqueiras.