EJACULAÇÃO
Pedro Brasil Júnior
 
 

Da grande explosão, restaram apenas meus fragmentos genéticos.

Algo assim, como aquela Hiroshima repentinamente destruída pelo poder de um artefato desconhecido.

Nem cinzas, nem ventos...

Só os milhares de lamentos...

De maneira que somente através do tempo seria possível reconstruir a cidade devastada e, ao mesmo tempo, no meu caso, reconstituir os códigos embaralhados.

Divaguei com minha própria consciência a respeito dos melindres da ciência enquanto meus fragmentos iam, aos poucos, como se fossem imãs, juntando-se até ganhar nova forma.

E assim foi que repentinamente atravessei o portal maior e cheguei a um destino que não era assim, necessariamente, o que eu imaginava.

Mas vim apesar da longa jornada pelo espaço até encontrar o meu próprio espaço assumindo minha nova forma, ensaiando meus primeiros passos, reconhecendo ambientes e muitas gentes.

Enfim; a vida me fez ser vida outra vez e teria pela frente um longo caminho a percorrer, ainda que meu mapa estivesse surrado, rasgado e borrado. Mas fui, assim mesmo, decifrando os indicadores e nenhuma montanha, nenhum rio, nenhuma intempérie da natureza me impediu de avançar.

No começo, tudo me parecia não ter sentido. Embora eu sentisse uma força estranha a me guiar, a me orientar através de uma imaginária rosa-dos-ventos. Podia ser norte ou sul, leste ou oeste. Isso era o que menos importava! Tinha que seguir, passo a passo, fazendo descobertas tão antigas, mas que eram também, novas agora.

Aguçar o novo ser exigia paciência, embora a pressa fosse sempre uma companheira instável. De qualquer maneira, livre, leve e solto, me deixei voar, ora por minhas próprias asas, ora pelas correntes mágicas que fazem do vento uma deliciosa estrada.

E lá se foi o tempo cavalgando feito líder de uma manada de puros sangue selvagens.

E não é que teria que encarar tudo outra vez?

Sim! Pelo caminho me aguardavam o amor, o orgulho, a amizade, a indiferença, a dor, o sorriso, as lágrimas, os encontros e os desencontros e tudo o que transforma a vida numa bússola maluca.

Desta vez, no entanto, eu podia contar com algo mais – uma experiência que veio na bagagem como um tubo de bálsamo para ser usado em ocasiões especiais, quando a dor exige um tratamento mais rigoroso.

Ah! Mas apesar disso tudo, havia o perfume das flores do campo, o cheiro da terra molhada pela chuva. Também me fascinavam todas as paisagens maravilhosas, onde meu olhar se perdia distante até o horizonte e noutras vezes, tão perto, só para ver a abelha sugar o néctar de uma flor.

E quer saber mais? – Que magia saborear na concha das mãos a mais pura, cristalina e refrescante água oriunda de uma nascente no alto de uma serra.

Os caminhos até podiam ser árduos, mas isso tudo já compensava meus esforços afinal; eu podia tocar as areias e, de um punhado, deixar escapulir por um vão das mãos como se fosse uma ampulheta que marca um tempo que não existe, necessariamente.

Também me era permitido ouvir as canções mais belas nas estridentes notas produzidas pelo canto dos pássaros ao longo de cada dia, de cada belo alvorecer ou de entardeceres onde o céu ganhava cores indecifráveis produzidas pela obra dos divinos pinceis.

E foi por obra da natureza que a minha natureza se deixou seduzir pelo conjunto dos sentidos, através de um momento de entrega onde a química exalou incomparável aroma de mel deliciosamente sorvido pelo beijo, expressão mais forte de ligação entre vidas. E também foi neste instante, que minhas mãos vasculharam formas com total suavidade permitindo aos olhos atravessarem fronteiras desconhecidas, indo parar nas cercanias da alma, onde numa fração de segundos, nova explosão se fez e enquanto aqui, as sensações unidas erigiam a felicidade, por lá, novos fragmentos, de um novo ser se espalharam por uma estranha galáxia, caminho que bem conheço, bem mereço e por onde, dentro em breve, alguém estará também de regresso, para recompor seu mapa e dar novo sentido à plenitude de todos os sentidos. E se não estou enganado, isso é pura e simplesmente viver!