HERMÉTICO
Carlos Bruni
 
 

Claudinha foi categórica:

- Você... você é um hermético!

Foram suas últimas palavras antes de me deixar.

Era uma mulher decidida, de posições firmes e eu sabia que ao me adjetivar dessa maneira estava me colocando numa categoria da qual dificilmente seria removido por improvável ato de arrependimento.

Fiquei parado frente ao espelho, com a cara coberta de espuma de barbear como procurando me esconder de mim mesmo. Queria, nesse momento, ser de fato fechado às suas acusações em não poucas vezes mescladas com impropérios.

Que diabo! Eu tinha direito à introspecção e não devia nada a ninguém, nem mesmo a ela, amante que só fazia me cobrar, cobrar e cobrar. Queria retalhar meu íntimo em tiras e desfilar com meus sentimentos qual porta-bandeira se pretendendo rainha da passarela.

Conhecíamo-nos há seis meses, se tanto. Depois de uma noite de bebedeira num aniversário, nem lembro direito de quem, resolvemos nos assumir e o clima foi rolando.

De início, eu não sabia direito quais eram suas expectativas sobre nós mas logo a percebi querendo puxar a agulha de minha bússola para o seu lado, tentativa que entendi como procurando um relacionamento duradouro. Ora, ver minha vida repartida, minhas meias e as dela na mesma gaveta não estava em meus planos. Meu único compromisso, a despeito de nosso convívio, era com aquele sujeito ali à minha frente, cara cheia de sabão e sem explicações a dar ou receber. Na verdade, eu me sentiria bem se estivesse em qualquer dos lados do espelho. Só que aquele olhar não era o meu, aquele que eu pensava conhecer.

Passei a mão pelo rosto retirando uma boa porção de espuma e esfreguei-a nos olhos daquele curioso me encarando. Parecia acusador. Meu grilo falante, ainda que de boca fechada.

A torneira continuava jorrando e meus pensamentos também escorriam para dentro de mim. Certa vez, depois de um pileque, Claudinha me barbeara na cama. Em seguida, encheu-me de espuma de alto a baixo; fiquei parecendo um boneco de neve. Fizemos amor em meio a bolhas e derrapadas deliciosas. Eu estava agora jogando isso fora e pela primeira vez invadiu-me a dúvida: era isto que eu queria?

Passei a toalha pelo rosto e em seguida pelo do meu parceiro à minha frente. Pareceu sorrir como se soubesse o que eu iria decidir.

A agenda, a agenda. Não sou bom em guardar números e o telefone de Claudinha estava lá. C, C, C... Ah, aqui está.

Tudo bem, Claudinha. Por enquanto, você venceu. Vamos ver o que dá para fazer com o meu hermetismo. Você me ajuda?