18 DE JANEIRO
Djanira Luz
 
 

Hoje comemoro o dia em que nasci. É meu aniversário. Como nos outros anos, fico recordando o que já vivi, que já construí ou os sonhos que ainda não realizei; aquilo que pretendo construir...

Acontece que ontem, antes de dormir, fiquei deitada um pouco sozinha no meu quarto. E como nos outros aniversários, fiquei pensando na vida vivida e na que possívelmente viverei.

Você já reparou que quando se está deitado na cama e se fica olhando para o teto, assim sem pretensão nenhuma, as idéias vem surgindo? Pois é, comigo acontece isso. Primeira coisa que pensei foi em fazer a limpeza do teto, pois tem teias de aranha. Isso mesmo, teias de aranha, pode? Pode porque meu marido desde que resolveu fazer faculdade de Ciências Biológicas, levantou uma bandeira em defesa dos seres vivos indefesos. Sejam eles grandes ou pequeninos. Sabe que ele está levando a coisa de proteção tão à sério que quando comento que tem teias no teto do quarto, me responde:

- Deixa minhas arinhas!

E aí é que me lembro do motivo delas permaneceram lá. Minha consciência ecológica me impede de exterminá-las...

Bem, deixa isso pra lá... vamos voltar ao aniversário.

Olhando para o teto as idéias iam surgindo, além da limpeza visível que ele precisava, talvez também de uma nova pintura, comecei a fazer uma faxina nas fases da minha vida. Como que tirando as sujeiras que ficaram acumuladas durante esses quarenta e poucos anos, vou tentando ver o que ficou depois da faxina que fiz dentro da alma. A cada lembrança, conforme a situação relembrada, brota um sorriso ou sinto a garganta doer; o nariz queimar, lágrimas saltarem de meus olhos. Tem horas que choro de tristeza e horas que choro de emoção, de alegria. Mas o choro de alegria não dói a garganta, nem deixa meu nariz queimando, só saem lágrimas.

As recordações me fizeram pensar em muitas coisas. Boas e más. Uma delas é que não quero envelhecer e me tornar uma idosa rabugenta, encrenqueira, ignorante. Há um motivo forte para não querer chegar na terceira idade assim. Em uma visita ao asilo próximo onde moro, vi vários idosos solitários, tristes, abandonados. Um deles que parecia sofrer mais que todos, me chamou atenção e, movida por grande compaixão, fui ter com ele, para conversar e tentar descobrir motivo de tamanha dor.

Aquilo que ouvi do senhor, mexeu muito comigo. A mulher morreu; os filhos abandonaram; estava muito doente, ninguém o visitava, tinha sido um marido e pai amoroso... Fiquei calada, consternada com toda aquela história que acabara de ouvir. Uma de minhas amigas, notou que mudei de humor depois de conversar com aquele pobre velhinho. Ela disse para que eu não desse atenção, que não valia a pena. Como temos o ato de julgar os outros, fiquei achando minha amiga uma pessoa horrível. Não imaginava como alguém pudesse fazer caridade, visitar asilos com um coração endurecido assim. Será que ela havia colocado o coração no freezer antes de ir ao asilo? Como não se mover com a triste história daquele senhor. Antes de abrir a boca para retrucar minha amiga, ela entendendo minha indignação, foi falando:

- Este senhor está sofrendo porque merece e ainda é pouco. A mulher dele era uma mulher bondosa, mãe carinhosa, teve câncer e faleceu há dois anos. Esse senhor bebia, fumava e espancava todos os dias os dois meninos por pura crueldade. Quando a esposa, nos últimos dias de vida, estava no hospital, esse "bondoso" senhor levou para casa uma menina que podia ser neta dele. Os filhos viram tudo, se revoltaram e nunca mais voltaram a ver o pai. Mesmo assim, depois de tudo, os rapazes pagam todo mês para ele permanecer neste asilo. - concluiu minha amiga, alterada.

Após ouvir esta versão, senti nojo, revolta e tive vontade mesmo de voltar até aquele velho safado e encher-lhe de bofetadas.

Antes deste episódio, quando tinha algum idoso perto de mim e alguém soltava um palavrão, eu dizia para respeitar o idoso. Para não falar palavrão. Hoje, mudei meu conceito. Acho que existem muitos idosos honestos, bondosos que merecem meu respeito e da sociedade. Mas, devemos evitar falar palavrões, é na frente das crianças que não sabem de nada ainda, que estão aprendendo o certo e o errado. Os idosos já passaram por isso e não vão se escandalizar por isso. As crianças sim. Eu não falo palavrões, mas também não me importo mais de falarem na frente dos idosos.

E também, quem foi que disse que a gente depois de idoso vira santo?

Não quero ser como aquele idoso do asilo. Estou tentando limpar meu teto. E você?