SE VOCÊ QUISER
Aline Carvalho
 
 

Tá bom, se você quiser, eu paro de comer chocolate, de assistir à novela das seis, de tomar antidepressivo como café da manhã. Eu paro de comer do prato na fila do self-service antes de pagar e paro de comer do seu prato... Eu paro de achar que minha vida é uma bosta e que a chuva nesta cidade nunca pára e que eu quero voltar para casa, que nem existe mais.

Se você quiser, eu prego todos os seus botões, faço coalhada e suco de uva natural, bolo de fubá e dou só um pouquinho de aula para ficar de avental e laço de fita na cabeça te esperando, o que já é profissão. Eu olho só em linha reta, como, aliás, sempre fiz, eu canto "Eu sei que vou te amar" embora desafine e trema, eu jogo tênis, eu danço dança de salão, eu faço fisioterapia sexta-feira à noite e te recebo sorridente seja lá que hora for.

Se você quiser, eu me convenço de que não estou sozinha, de que minha vida não está desabando, de que a chuva, na verdade, não pára mas é dentro de mim.Eu faço projetos que nunca serão executados, eu fico esperando informatizar o consultório, eu decoro o quarto dos fundos e vou de guia para a Disney.

Eu nunca mais bebo só para esquecer, nem vou ao cinema só para esquecer, nem jantar fora, nem ao ensaio, nem ao lanche da tarde com amigas plastificadas, nem fico procurando mais coisas só para esquecer... Eu não chovo mais, não vento mais, não relampejo mais e, quando entrar em erupção, fico escondida no meu quarto.

Se você quiser, eu não escrevo de novo, ou escrevo cento e cinqüenta e oito sonetos de amor sem repetir uma palavra. Eu nunca mais estudo, ou faço outra faculdade, ou uma pós-depois-de-tudo-que-aconteceu-entre-nós. Eu ignoro o monstrinho ou realizo todas as fantasias, por mais doloridas e dolorosas que sejam

Se você quiser. Se não, é só conversa fiada.