ASSUNTOS DE FAMÍLIA
Beto Muniz
 
 

Minha mãe cismou de rever umas primas sexagenárias que sumiram no mundo antes da renúncia do Jânio, ou logo depois - não ficou bem explicado esse negócio de datas. E a sabedoria popular diz que cisma de mãe filho algum aplaca, então toca pegar estrada e visitar uma meia dúzia de endereços. Lugares que eu pensava não mais existirem, a não ser nos papéis amarelados que ficariam como herança, entre retratos em branco e preto.

Eu sou filho bom, daqueles que aos quarenta e poucos ainda recebe ligações no início da noite e é obrigado a informar se jantou, se vai sair bem agasalhado e essas frescuras que fariam qualquer moço gostar de plumas e purpurinas. Para azar dos que desejam me ver soltando a franga numa parada gay, não é carinho de mãe que vai me fazer mudar de opção... mas deixando de falar em franga e continuando o assunto, o primeiro endereço visitado foi na região noroeste do estado. Batemos palmas (campainha é invenção da cidade grande) e fomos atendidos por uma senhora de cabelos brancos, pele cheia de caminhos ressecados e calçando sandálias havaianas mais que surradas. O vira-latas não deixava que as duas senhoras entabulassem reconhecimentos, então a dona da casa abriu o portão e saiu pra calçada enxugando as mãos num avental amarrado à cintura. Atitude singela ela se mudar e deixar a casa para o cão.

"Filó?"

- Eu mesmo...

"Eu mesma, tia" pensei em corrigir a velha, mas minha mãe já estava quase chorando ao reconhecer a prima-em-segundo-grau. E foi um abraça daqui que eu abraço dali e um aponta pra mim que eu aponto praquele outro lá... e começou a chegar gente, e mais gente, e mais gente! E o cachorro cada vez mais eufórico, latindo. Já tinha pra mais de vinte pessoas no quintal e ninguém, repito, ninguém pra mandar o cachorro calar a boca. Ou seja, parar de latir. Parecia que só eu estava incomodado com o cão. Logo fiquei sabendo que das quarenta pessoas em volta da gente, trinta e oito eram meus parentes em algum grau. Ficamos pra merenda, depois para o jantar e já se passaram dois dias e mamãe não fala em ir embora... E voltando a falar sobre franga, depois eu conto sobre a galinha que eu tive que pegar lá na estrada. Essa história fica pra outra hora porque agora acabou meu tempo aqui na "Lan-Rause".