ASPARTAME AINDA QUE TARDIO...
Doca Ramos Mello
 
 

Éramos ainda jovens e incautos adolescentes, no auge da despreocupação e no ardente fogo pela vida, e minha amiga Deisi - assim mesmo, com 'i' - já tinha uns ideais femininos, espécie de revolta contra os conceitos machistas da sociedade, a submissão da mulher, a tirania de Adão, etc. Nós, os amigos, víamos aquela exaltação toda sem entender muito bem e até hoje achamos que a semente dessa revolução pessoal começou dentro da casa dela mesmo, uma vez que seu pai era homem rígido ao ponto absurdo de, um dia, ter encomendado ao barbeiro que passasse a máquina zero na nuca de minha amiga, creio que por conta de alguma desobediência ou uma nota escolar abaixo de sete... Para dar uma palhinha do modus operandi paterno, conto que, um dia, ao surpreender a filha com um cigarro na mão, o pai apagou o cigarro no pescoço da menina! Minha amiga chorou, sentiu-se humilhada, mas agüentou firme - cada vez que eu penso em atitudes desse tipo, tenho certeza de que o diálogo entre pais e filhos chegou um pouco tarde e para a geração errada...

Quanta coisa veio com atraso!

Além disso, a verdade é que Deisi sempre foi inteligente demais para que o pai pudesse entender até mesmo o quanto ela o amava, apesar de seus desmandos. O amor ainda é um mistério a ser dissecado, uma incógnita.

Uma fileira de acontecimentos promovidos pela atitude paterna acabou por fazer de minha amiga a nossa Rose Marie Muraro remodelada, porque afinal Deisi não deixa a vaca deitar, é plástica no nariz, é lifting no rosto, é cabelo bem tratado, massagem, drenagem, cuidados mil: a coisa é brava ali, a Rose original, descabelada, sem vaidade nenhuma e com aqueles óculos de fundo de garrafa nem pode imaginar...

Mais: minha amiga é socialista. Dessas de sair fazendo piquete, passeata, barulho. Votou convicta em V. Exa. Metalugíssima, apesar de ter sido educada em finíssimo colégio religioso, onde o pai internou sua juventude para dobrar-lhe os instintos revolucionários, ser rica de pedra, culta, viajada, elitista e chique, Zelite pura. Digamos que sempre foi adepta do socialismo de butique, do qual Martaxa Suplício, a nossa infiel cópia de Evita Perón com sobrenome pomposo e seus dois maridos é um expoente. Naturalmente, minha amiga se decepcionou com os roupões de algodão egípcio do ex-sindicalista, o mensalão, a Gamecorp, aquela constrangedora entrevista em Paris, o careca, o Duda (etc. e tal!), e se bandeou para a bandeira da calça jeans com camiseta branca despojada da senadora Heloísa Helena - pessoalmente, a camiseta de Deisi tem a figura do Che cravejada de finíssimos cristais russos sob a lavra de alguma grife internacional - abrigando-se sob as melenas de Babá e Luciana Genro. Bom, eu falei em piquete e passeata. Mas devo esclarecer que isso não significa ir à batalha sem usar roupas de estilistas badalados, perfume francês, sapatos de fino couro e bolsa italiana, faça-me o favor, socialista sim, claro, mas socialite acima de tudo.

Brincadeiras à parte, Deisi é hoje uma feminista respeitadíssima mundialmente, dá palestras, escreve livros e continua revolucionária, mas sem perder aquele inequívoco ar socialite, sorry, periferia, noblesse oblige...

Toda vez que Deisi me envia um e-mail, tendo a lembrar-me das coisas inusitadas que só ela fazia - algumas delas nem posso abrir aqui, mas houve um episódio gozadíssimo de uns convites de casamento que ela forjou para poder sair de casa... Deisi adorava artimanhas para passar o sexo masculino para trás, traições, armações, conluios, talvez uma vingança contra a desastrada relação com o pai ou sei lá!

Hoje, ela sempre manda alguma coisa dos anos 60 (cheia de saudades!) ou então mensagens altamente socialistas do tipo "vou passar um mês na Ásia, faço depois um tour pelo Oriente Médio, não me mandem nada" - e sinto vontade de acrescentar "pesquisando também o comportamento local dos machos disponíveis no momento do ataque estrangeiro de mulheres descoladas e de cabeça aberta", hehehe, Deisi é danada. Ou ainda "estarei fora por semanas, vou ao Nordeste recarregar as energias, não me procurem", e novamente sinto desejos de dar continuidade à nota... Quem conhece minha amiga sabe que a pesquisa histórica, às vezes até paleontológica (ela é historiadora), sempre pode vir acompanhada de estudos complementares, anatômicos e de relacionamento interpessoal, etc. etc., o diálogo existe para ser incentivado e afinal, de repente é possível encontrar alguma coisa melhor que urnas mortuárias bem lá no fundo das pirâmides, vai que Tutancâmon nem está tão morto assim, é ou não é?

Hoje, mandou-me uma mensagem alarmante, repleta de apavorantes revelações sobre o aspartame. Aquela coisa do você vai ingerindo aspartame aí que seu dedo anular esquerdo grangena e cai, sua sobrancelha fica azul, seu estômago vira um boné velho, a fala enrola, seu fígado apodrece, o cabelo rareia, aparecem a fibromialgia, a apnéia, a hanseníase e, para resumir o pacote, o alemão toma conta da sua vida em três tempos. Ah, você quer emagrecer e sair bem na foto, por isso usa aspartame? Você é quem sabe! E tome médica americana que pesquisou adeptos do negócio e tem mais de vinte pacientes que perderam todos os dentes, uns dezoito com espinhela caída, dez com problemas renais e comportamento autodestrutivo, vinte e um com hemorróidas gigantes e verdes (uma novidade!), setenta com degeneração do tecido epitelial, dois com a glote esquartejada, trinta e sete com descontrole mental avançado, catorze com TOC e maníaco-depressivos, trinta e um que não param de cantar La Bamba, mais duas dúzias com a cervical endurecida e deformação óssea no calcanhar, etc.

Antes, era o açúcar que matava a sangue frio. Você botava uma colherinha de açúcar no café e duzentas pessoas começavam a lhe contar os prejuízos que o branquinho estava causando à humanidade, vinha alguém e atirava seu café ao chão berrando "enlouqueceu, criatura, quer morrer?!". Agora, é a vez do aspartame, que está praticamente extirpando a sociedade, corroendo o alicerce das engrenagens humanas, uma coisa perigosíssima, portanto se algum gordinho amigo seu desaparecer na sua frente, virar pó, se desintegrar na sua cara, assim ó, bluft!, pode falar para a família dele processar o fabricante do adoçante, o mar não está p'ra peixe, muito menos para aspartame e fim de papo.

Ainda bem que eu não me abalo com essas descobertas científicas. Como ovo desde criança, já passei da fase do ovo faz bem, dá sustança e faz crescer para ovo atiça o colesterol e favorece a erisipela, da gemada curativa para a asma ao ovinho frito criminoso, sem esquentar a cabeça. E o que se viu? Eis o ovo de volta à posição de gente boa e amigo da saúde do homem, quanto mais ovo, melhor - pesquisador, cientista, é um povo muito nervoso... Pelo andar da carruagem, não devo morrer de ovo, mas em todo caso, se não acharem nada como causa, quem sabe minha família possa processar o criador da galinha e...