Tema 179 - QUATRO ESTAÇÕES
BIOGRAFIA
ESTAÇÕES VITAIS
Djanira Luz

Era verão, mas a morte é fria como dias de inverno...

Lina estava desolada. A gravidez que foi programada, esperada , desejada, naquele momento era sua única fortaleza.

Ao lado da mãe, Lina tentava encontrar palavras e respostas...

- Como isso foi acontecer com uma pessoa cheia de vida, tão amiga...voltando para casa e levar um tiro que nem era para ele... um bala perdida que... foi encontrar logo meu amor para matar!!!

Dona Nicole não conseguiu confortar a filha, pois ela mesma estava perplexa com a violência urbana. A jovem futura mãe de vinte e cinco anos que ficou casada por apenas dois anos com Otto de 28 anos, seu colega de faculdade que se formara Cirurgião Pediatra, que não via a hora de ter em seus braços um menino ou menina para ouvir chamá-lo de "papai", agora não estaria lá para participar deste momento único de glória.

A revolta tomou conta do coração, da alma e da mente da doce Lina. Num raro ato de fúria, entrou no carro e saiu acelerada, deixando dona Nicole com os nervos abaladíssimos, temendo que a filha cometesse algum ato insano por encontrar-se desequilibrada pela tamanha perda.

Chorando demais, não muito longe de sua casa, Lina pára com o carro defronte à Prefeitura. Usando a dor da perda do seu grande amor como força para gritar e se fazer ouvir, começa a desabafar:

- Cambada de usurpadores, cretinos, malditos, CORRUPTOS, CORRUPTOS!!!

A rede de Tv que estava gravando entrevista com um candidato à Prefeitura, logo que ouviu os primeiros protestos de Lina, foi para o local cobrir aquele ato de revolta e desabafo. O repórter correndo falou para o cinegrafista:

- Vamos lá, Zero! É a viuvinha da Almirante Barroso...

- De que vale tanto incentivo aos esportes, aos estudos, tantas Ongs espalhadas em prol do bem social, se vocês prefeitos, deputados, vereadores e demais corjas, não se preocupam com nossa segurança, com nosso direito de ir e vir para o trabalho e retornar para casa e para as pessoas que amamos são e salvos... VIVOS!!! Chega de hipocrisia! Chega de enganação! Estamos cansados de tudo isso!!! De que adianta esportes, lazer, cultura se o cidadão não vai viver para usufruir de tudo isso!!!???

Mas quando alguém pisa na ferida política, aparece sempre um "cala boca" para pôr panos quentes na situação. Antes que o secretário fosse falar com Lina, ela desmaia. Foi muita pressão para uma grávida de apenas três meses. O desconforto do atual prefeito aumenta, pois sabe a repercussão deste episódio pode custar caro sua reeleição. E ele tem motivos para preocupar-se, pois defende com veemência duas Ongs de índoles suspeitas.

Breno vai socorrer da bela e doce Lina. Toma-a em seus braços, leva-a para dentro do carro dela para seguir para o hospital mais próximo. O celular de Lina não pára de tocar, Breno hesita em atender. Como se trata de emergência, não se importa com a falta de ética e educação. Do outro lado, uma voz fraca e rouca, assusta-se com a voz de Breno.

- Meu Deus! O que aconteceu com minha filha, moço? - desespera-se dona Nicole.

- Calma, senhora, está tudo bem... - Breno tenta confortar a mulher ao telefone.

- Quem é você? Que faz com o celular da minha filha? Ela sofreu acidente? Bateu com o carro? Fala pelo amor de Deus! - grita exaltada a pobre mãe aflita.

Perspicaz, experiente e hábil, com segurança o repórter vai respondendo cada pergunta da mulher ao telefone.

- Sou eu, Breno, o repórter que cobriu o acidente da Rua Almirante... Do Otto... Sua filha veio fazer um protesto em frente à Prefeitura, ficou um pouco alterada e desmaiou. Estou levando para o Hospital da Lagoa. Assim que chegar lá, retorno a ligação para a senhora, está bem?

- Minha Nossa Senhora! Ela não pode perder o bebezinho dela... Estou indo para o hospital agora mesmo, até lá, meu filho. Obrigada pelo que está fazendo pela minha filha...

- Que isso... é o mínimo que poderia fazer para ela, ainda mais agora em saber da gravidez... Um abraço.

Breno segue para o hospital, mas Lina já está reanimando e assusta-se ao ver aquele rosto um tanto familiar conduzindo seu carro.

- Você? O que faz aqui? Para onde está me levando? - questiona a confusa Lina.

- Para o hospital para ver como está esse bebê e a mamãe dele... - diz gentilmente o jovem repórter.

- Ah... - suspira Lina - não como quase nada há dois dias... - desculpa-se a jovem grávida.

- Imagino, foi um golpe duro... Mas, precisa preocupar-se com o bebezinho lindo. Ele precisa crescer saudável. - encoraja Breno.

- É... Fui egoísta, né? Vou voltar a fazer as refeições na hora certa. Esta criança que trago em meu ventre, é a melhor parte de mim e do meu... - Lina começa a chorar baixinho sem conseguir completar a frase.

O repórter fica sem jeito, não sabe como reagir, com uma das mãos, acaricia os cabelos da Lia, confortando-a. Há momentos, que palavras são mesmo desnecessárias quando um gesto é bem oportuno.

Chegando ao hospital, dona Nicole já está esperando a filha, que a abraça com ternura e compaixão.

- Mãezinha... Perdoa esta sua filha... Não queria magoar você...

- Entendo seus motivos, essa dor, esse dissabor, o tempo vai curar. - disse sabiamente dona Nicole.

- A morte, mamãe, é o inverno da vida... As lágrimas que rolam em minha face, são as chuvas finas e frias e a dor em meu peito, é o vento gelado e cortante do inverno.

***

Setembro. Nasce Beni. Nome escolhido pelo pai Otto, cujo significado é "abençoada". Linda, olhos vívidos como os do pai e beleza herdada da mãe.

Mais segura, confortada e fortalecida com o nascimento da filha, Lina já tem outra visão da vida. Sente que sua vida já não é mais um inverno. Sua filha abençoada trouxe a primavera para seu coração e agora ela é mais uma flor no seu jardim.

Quando Beni completou dois anos de vida, Lina escreveu uma mensagem sobre a menina como se estivesse escrevendo para Otto:

"Há dois anos, nascia nossa querida filha Beni. Foram anos de espera, mas que valeram aguardar... Beni é uma menina que preenche uma casa, um quintal, sobretudo nossas vidas. Sua alegria, sua simpatia contagia a todos que têm a felicidade de conhecê-la mais de pertinho. Deus atendeu nossas orações dando-nos uma criança feliz que traz em seu sorriso o brilho e o calor do Sol; traz em seus olhinhos todo o encanto e brilho das estrelinhas e em sua vozinha, a doçura que emociona cada vez que ouço pronunciar "mamãezinha"... A vida com Beni tem mais cor e sabor. Sou privilegiada por tê-la como filha."

Lina sentia que estava entrando o outono em sua vida, pois as tristezas, a dor e amargura, deram lugar a um sentimento de carinho, respeito e saudade do Otto. Saudade essa que não machuca, apenas conforta. Finalmente os seus sentimentos, como as folhas no outono, estavam sendo renovados, levados para longe, deixando uma brisa suave e refrescante. Lembrou-se das palavras proferidas pela dona Nicole e sentiu orgulho de ter a mãe sábia.

E vieram outros dias. Volta e meia Lina esbarrava com Breno pelas ruas do Centro do Rio. Aqueles momentos em que, despretensiosa, encontrava com Breno, sentia o coração queimar, como se estivesse em pleno verão. Ele Lina tinha impressão de seu rosto estar em brasa e não queria admitir o que estava começando a sentir. Breno sempre demonstrou estar apaixonado por ela, procurava se fazer presente nos locais que Lina freqüentava, dava desculpas de estar cobrindo uma e outra matéria para a TV.

Aos poucos, Lina foi aceitando que o amor é o verão que nos faz ferver para a vida. Ela falou consigo mesma:

- Que me venha outro verão, que o Sol brilhe e sorria para mim com toda intensidade!!!

E foi-se feliz de volta para sua clínica onde exercia a profissão de Nutricionista.

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