Tema 180 - VESTÍGIOS
BIOGRAFIA
RASTRO
Sérgio G. Muknicka

Andando pelas velhas ruas da cidade vê o tempo fechar repentinamente. O céu cheio de nuvens cinza e neblina. Passarinhos chilreiam rapidamente como se estivessem atrasados para uma tarefa sem fim. Galhos de árvores copadas balançam e também se comunicam. A única muda ali é ela. Com seus olhos azuis penetrantes percorre rapidamente o horizonte e percebe, o temporal é inevitável. Vai para casa.

Anda a passos lentos e a chuva fria a apanha antes de chegar. Chega ensopada em casa, o banho ajudou. A água quente a lembrou daquilo tudo, deu-lhe raiva e certa coragem.

Secou-se demoradamente, o temporal açoitava as árvores, e todo o jardim espantando as pobres janelas. Depois de trocada, sentou-se à mesa, escreveu com seu bom português, bem melhor que o dele:

“Eu o conheço. Sempre soube onde você esteve; nunca lhe disse porque sabia que você dissimularia. Não gosto de me desgastar, por isso deixei as coisas assim. Agora, contudo, não posso mais. Você só chega tarde, na maioria das vezes bêbado. Acha que sou idiota. Desde que nos casamos você saía com seus primos para pular carnaval e eu de resguardo. Pensa que quando você chegou não vi as manchas de batom? Queria que ao menos fossem só na camisa.

Bem; mas mesmo assim eu agüentava, já que sabia que você voltava, mesmo bêbado, de braços quebrados e olhos roxos; agora, porém, não posso ficar acordada à noite, esperando. Você vai voltar? Aturava suas amantes. Porque, ah querido, eu sei, não foram duas ou três, não é? Os cartões do dia dos namorados que você deixava de propósito na carteira? Eu me matava todo dia um pouquinho. Não quero mais isso para mim, sequer para você.

Por favor, não me procure mais. Isso não é um joguinho adolescente de gato e rato. Eu simplesmente não lhe quero mais.

Mas, caso eu ficasse, após seu alcoolismo, e quando o dinheiro acabasse, e as mulheres fossem embora, eu o ampararia. Sempre o fiz, não? Adeus!”

Partiu feliz. Afinal as malas já estavam prontas, a conta bancária abastecida e sempre teria seu quarto na casa da mãe. E naquela grande casa só restou o traço de seu delicado perfume, outrora constante.

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