Atualização 184 - Minicontos de natal
BIOGRAFIA
UM CONTO DE NATAL
Tieme Mise

Era quase natal. As ruas tomavam aspecto de formigueiros caóticos. A expressão no rosto das pessoas era de pressa e tensão. Uma multidão de seres ávidos, vindo e indo, numa desordem total, quase se atropelando nas calçadas estreitas ou no interior de pequenas e grandes lojas, querendo um preço menor ou buscando o presente que a muito já devia ter sido comprado e novamente foi deixado para as últimas horas. Buzinas estridentes mostravam o descontrole impaciente dos motoristas que, aproveitando um tempinho vago no trabalho, corriam em busca da lembrança desejada, temendo não ter tempo ou dinheiro suficiente para tantas quinquilharias que provavelmente seriam descartadas assim que terminasse a festa do nascimento do filho de Deus.

A grande árvore armada em frente a uma loja de departamentos piscava sem parar, encantando o garotinho. Parecia que as estrelas tinham sido penduradas em seus galhos. Figuras de renas se formavam a cada pisca pisca, parecendo estar correndo no ar, puxando o gordo e velho senhor de roupa vermelha, como num sonho, misturadas ainda a pouca claridade do dia que partia. Num entra e sai alucinado, pessoas, algumas de mãos ainda vazias e olhos ansiosos, outras carregando enormes sacolas repletas, com o rosto cansado, mas satisfeito.

O garotinho continuava parado na calçada olhando a árvore que mantinha seu pisca pisca cada vez mais ostensivo devido ao realce de suas cores pela noite que se adentrava sem nenhuma cerimônia. Ninguém notava a sua presença.

Sentiu cansaço após algum tempo e se afastou um pouco, apoiando-se no poste de iluminação que estava desligado para dar mais exuberância às cores da grande árvore. Não entendia essa festa, mas sabia que um homem gordo e vestido de vermelho dava presentes aos meninos que se comportavam bem, como dissera sua mãe. Como ele nunca se comportava bem, não ganhava nenhum presente a cada ano que passava desse homem gordo. Mas desta vez ele havia se comportado bem. Durante toda semana não havia roubado nada nem astuciosamente surrupiado o dinheiro do ceguinho da esquina, fingindo que colocava alguns níqueis e, apesar dos cascudos da mãe que esperava pela grana, havia resistido.

A fome já fazia valer a sua força e dava uivos em seu estômago vazio. Um pedaço de sanduíche meio comido estava a alguns passos dele. Pegou-o entre as mãos magras e sacudindo a areia da ponta, foi mastigando devagar, sem tirar os olhos da grande árvore trazendo em seu topo uma carruagem puxada por renas conduzindo o velho de barba branca. Sabia que iria apanhar quando voltasse para o barraco improvisado sob a ponte, mas, desta vez, iria esperar o seu presente.

As horas foram se passando, a agitação diminuindo, o frio aumentando. As lojas se fecharam e os carros já passavam sem agitação.

O vigia noturno que já havia percebido a presença do garotinho deste às 19 horas, no início de seu turno. Encaminhou-se até o poste encontrando-o a ressonar trazendo nas mãos um cartão rasgado com a figura de um papai Noel. Desta vez, não o expulsou como sempre fazia com figuras inoportunas. O espírito natalino havia penetrado nele deste de que, com olhos de águia, havia visto a sua chegada e acompanhado toda a súplica silenciosa a olhar para o topo da árvore, atento ao menor movimento suspeito para afugentá-lo. Colocou ao seu lado o pequeno caminhão e um saquinho de castanha sobre ele, que estavam entre outros itens, na cesta de natal, dada aos funcionários, de brinde, na festa de confraternização. O caminhão estava envolto em papel vermelho brilhante com um grande laço. Afastando-se, gritou como se tivesse visto o garoto pela primeira vez.
- Acorda moleque. O que está fazendo aí?

O garotinho acordou assustado. Seus olhos se arregalaram ao ver um presente ao seu lado. Olhou para a árvore a piscar. Um sorriso imenso se prendeu ao suspiro. Levantou-se com o guarda lhe observando atentamente.

- Foi o papai Noel quem deixou aqui, foi ele - falou bem alto.

- Vá para casa, saia daqui, chispa! - disse o guarda, segurando o sorriso.

O garotinho pegou o presente vermelho, o pacotinho de castanha e saiu em disparada, sendo absorvido pela noite escura.

O vigia noturno guardou o sorriso de espanto do menino em seu coração. Coincidentemente, nesta hora, as luzes da grande árvore se apagaram.

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