Atualização 185 - Tema Livre
BIOGRAFIA
UM DIA DE CÃO
Eva Ibrahim

Marcos estava feliz, finalmente um sonho antigo estava sendo realizado; a construção da casa na chácara, que comprara com muito sacrifício, estava sendo finalizada. A área era grande e nos fundos passava um rio, onde o homem pretendia cevar os peixes para passar horas agradáveis fazendo o que mais gostava, pescar. O terreno ficava em um condomínio fechado com muitas construções em curso, eram em sua maioria, casas de aposentados.

No local havia muita mata nativa, a paisagem era exuberante. No terreno de Marcos ficava uma árvore centenária protegida pelo IBAMA e ele teve que adequar a casa á árvore; dizia que ficaria uma beleza, assim que terminasse a construção. Por ora, o que havia era muito trabalho a fazer e sempre que podia ia ajudar os pedreiros para acelerar a construção.

O homem gostava da natureza e dos animais; em sua casa tinha dois cães e na chácara uma cadela vira-latas, chamada Inês, que adorava seu dono. Certo dia apareceu ali um cachorro enorme, assustador, da raça Pit Bull; o cão estava faminto e machucado. Marcos lhe deu comida e água, pronto, não saiu mais dali, adotando seu novo dono. O homem aceitou que ficasse, pois, garantia mais segurança ao local. O Pit, como era chamado, era um cão feio e gordo, que amedrontava todos que o viam; a Inês e ele se davam bem, ora brincavam, ora dormiam. O cão gostava de nadar no rio, indo várias vezes até a margem oposta; sarou dos ferimentos e vivia feliz em sua nova casa.

Havia um terreno vazio ao lado do seu e fora vendido recentemente. O novo dono chegou cedo para limpá-lo, o mato tinha que ser capinado. O homem, já idoso, foi se apresentar á Marcos, dizendo que seriam vizinhos. O rapaz lhe desejou boa sorte e disse que estavam fazendo muro na divisa com o rio, respeitando os trinta metros de mata ciliar e se precisasse poderia contar com ele. Seu Chico agradeceu e encostou seu velho carro perto do terreno; desceu do veículo e foi abrir o porta-malas para pegar as ferramentas, deixando a porta da frente aberta.

Quando voltou para pegar o chapéu que estava no banco do carona, teve uma surpresa; deitado no banco do motorista estava um enorme cão da raça Pit Bull. Quando o homem olhou pelo vidro do carona o Pit rosnou e mostrou os dentes; Seu Chico assustado voltou para trás do veículo.- O que fazer? A água também estava no carro, tinha que tirar o cão dali. Esperou, esperou e nada, o cão parecia dormir.

Ele não contava com isso, queria aproveitar a manhã para capinar e descansar á tarde.O homem começou a ficar nervoso, o sol estava quente e não havia nenhuma árvore para se abrigar. Queria seu chapéu e iria tirar aquele monstro dali - "Onde já se viu? Ficar esperando o cachorro dormir? -Nem pensar", tinha muito trabalho a fazer.

Munido de muita coragem foi abrir a porta do carona, talvez ele se assustasse e fosse embora. Pura ilusão, o Pit ficou em pé no banco ameaçando atacá-lo; fechou a porta rapidamente e voltou, o cão poderia matá-lo, teria que esperar.

Fazia mais de uma hora que estava ali e não aparecia ninguém para ajudá-lo, pensou em chamar o vizinho mas, ele estava longe, perto do rio e não queria incomodá-lo. Pensou em ir para casa mas, morava no outro lado da cidade e não poderia ir a pé. Resolveu esperar mais um pouco. Olhava o cão dormindo sossegado e ficava mais irado. Perdera a paciência, tinha que enxotá-lo dali.

Pegou a enxada e foi para perto da porta e quando mexeu na maçaneta o cachorro avançou, mostrando os dentes; o homem correu para trás, tremendo de medo, teria que tomar cuidado. Aquele bicho não estava para brincadeiras. O cão deitou novamente no banco, "fazia tempo que não tirava uma soneca tão aconchegante, aquele banco era ótimo. Precisava descansar; passara a madrugada correndo atrás de um gato que o estava desafiando", era o que sugeria seu semblante tranqüilo.

O tempo passava, o Pit dormia; o homem não acreditava que estava fazendo aquele papel ridículo, esperando um monstro dormir em seu automóvel. Ele não agüentava mais, perdera a manhã inteira, estava quase na hora do almoço e nada do cão sair do carro. Estava com fome e sede, iria chamar o vizinho para ajudá-lo.

Foi andando até o rio e chamou Marcos, que veio prontamente atendê-lo. O homem nervoso lhe contou a história do cão e ele começou a rir; Era no mínimo hilário o que estava acontecendo, daria boas manchetes em jornais sensacionalistas. "-Cão feroz atormentando senhores idosos". "Pit Bull se apodera de veículo de aposentado".

Seu Chico perguntou se o cachorro era dele e ele disse que "- mais ou menos" Chegando perto do automóvel o rapaz assoviou e o cão erguendo as orelhas levantou correndo ao seu encontro, fazendo muita festa. Lambia suas mãos, abanava o rabo sem parar e foi seguindo o rapaz. O homem entrou no carro e fechou a porta, "- Como podia ser uma coisa assim? Aquele monstro parecia um carneirinho perto do vizinho" Que mala!

O homem ligou o carro e sem olhar para trás seguiu em frente; perdera a manhã toda com aquele cão imprestável e agora iria embora descansar. Voltaria outro dia e não deixaria a porta aberta, por nada deste mundo, aprendera a lição. Aquele fora um dia de cão.

O Pit estava faminto depois da soneca e seguiu seu dono para o almoço. Marcos não continha o riso, era só o que faltava, um Pit Bull terrorista.

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