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BIOGRAFIA
RETOSSIGMOIDOSCOPIA
Marcos Correia

_ Largue de ser besta, homem. Vai ficar aí sofrendo com as entranhas em brasa até quando, se a cura é tão simples?

A lógica do raciocínio do amigo era imbatível, mas Gervásio resistia. Não podia tolerar a intimidade de tal exame, remexendo as profundezas de seus intestinos. Ainda se a via de acesso fosse a boca, ele dopado dormindo sem ver nada, vá lá. Mas qual! Para ver como estavam as coisas a camerazinha ia entrar pelo outro lado. E sem direito a anestesia!

_ Sou macho, prefiro continuar cagando sangue a ter que fazer um exame desses, "retossimo"... "retossigo"... "retossido"...

_Retossigmoidoscopia! Como você é ignorante, não sabe nem o nome do exame e está aí se borrando de medo.

_Não é medo, é brio. Sou macho, vou deixar um qualquer enfiar um canudo no meu rabo? Nessa vida não!

Gervásio ainda não tem 40 anos. Nunca fez exame de próstata, nem pretende fazê-lo. Quando o cuidado com a saúde tem relação com a sondagem de seu orifício, ele se torna brutalmente omisso. Mas o sangramento sem dor de que vinha padecendo fez com que ficasse com medo de "doença feia", um câncer de intestino ou coisa assim. Relutou o quanto pôde, argumentou, "não tem outro exame menos invasivo?", mas acabou cedendo.

Na clínica, um médico de cabelos grisalhos e fala mansa o recebeu. O paciente, que de paciente já se vê que não tem nada, desconfiou logo daquele jeito macio do especialista falar. "É assim mesmo, começam falando manso e depois entubam a gente", pensou. Gervásio foi para o biombo, tirou as roupas e colocou um ridículo avental aberto nas costas. Sentiu-se nu com o ventinho que vinha não sabia de onde e bafejava seus "países baixos".

Deitou-se numa maca e foi orientado a virar-se de lado. "O desaforado vai me querer de ladinho", pensou entre dentes rangendo. Notou que o médico dava instruções a outra pessoa. Olhou sobre o ombro e viu uma bela enfermeira na sala. Sentiu tanta vergonha que nem teve coragem de argumentar. "Desaforo, esse mulherão ver minha bunda desprotegida. Desaforo! Desaforo!".

O exame começou. Gervásio sentiu um leve desconforto no início. Um par de minutos depois estava acabado.

_ O senhor está ótimo. Tem só uma fissura anal, coisa boba. Mude a dieta e não coma pimenta por uns tempos.

"Então era só isso? Fiquei fazendo drama por nada. Como homem é fraco", considerou Gervásio. Lembrou-se dos exames regulares da esposa, principalmente o tal do Papa Nicolau, incômodo, desagradável. Mas nunca ouviu a esposa choramingando ou tentando fugir. E a mamografia? Aquela máquina gelada só pode ter sido inventada por alguém do sexo masculino. Aperta dolorosamente os seios, esmaga uma das partes mais sensíveis da mulher. As cólicas menstruais, algum homem saberá jamais o que é isso? O parto, meu Deus, um ser humano saindo de dentro de outro... E no entanto, o sexo forte - o feminino - a tudo suporta.

Gervásio chegou em casa e deu um carinhoso beijo na esposa, hábito que tinha abandonado à medida que a rotina dominava o casamento.

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