Atualização nº 187 - ESCRAVO
BIOGRAFIA
HORA DE VER A LUZ
Zeca São Bernardo

Pés descalços,
Rachados tanto quanto a terra deste lugar.
Aqui não cabem sapatos de cristal,
Somente sandálias do mais cru couro.

Confunde-se o cheiro de suor
Com o perfume que a caatinga exala.
Ainda servem, muitas vezes, aos meninos
As cabras e as mulas de primeiro amor.
Outras tantas consolam os velhos de algum
Amor que já se foi...

Espinho na carne, sangra mas
Dói menos que a fome.
Garganta seca, sorriso amarelo estampado,
Numa noite destas nasce mais um Severino,
Talvez Raimundo, Talvez João ou mesmo Manuel.
De certeza só terá o nome de José caso atravesse o
Útero ou enrole-se no pescoço o cordão umbilical na
Hora de ver a luz.

De certeza só terá a servidão,
As mãos que ficarão fortes antes do tempo.
Graças à enxada precocemente dada de presente.
Graças às pedras retiradas com incho ou ancinho.

De certeza terá só a fé e a solidão.
A tristeza do olhar que não cala a história
Que teima em contar.

Enquanto luta contra a escravidão da dor,
Renasce a esperança num sorriso e de tanto
Retirar-se daqui, da li e de acolá receberá a alcunha
De retirante na cidade de pedra.

Não sabe o que aqui lhe espera,
Só sabe que um dia quer voltar para sua terra.
Só sabe que o trabalho na obra é duro e
Que a ajuda de algum parente, quando há, é pouca.
Só sabe que aqui chove e que o trago de cachaça
Rasga só a garganta e não a alma.

Vê germinar no ventre de sua mulher outra vida,
Crescer, nascer, chorar. Como todo homem, como toda mulher.
Bem vindo!- diz, Bem vindo, brada.

Bem vindo...

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