Tema 188 - ASSOMBRO
BIOGRAFIA
AMARELOU, MEU BEM?
Sharon Ratis

Cheguei a te contar do episódio do professor de francês ? Então vou te contar só para você ver que não há problema em amarelar, às vezes.

Eu estava no primeiro ano da faculdade. Na minha sala, os alunos eram seis, as alunas, cento e vinte. Essa informação é só para você se localizar. O professor de francês era lindo de morrer. Claro que eu e as outras cento e dezenove colegas de classe o paquerávamos. E ele sério, não dava bola para ninguém. Mas tanto fiz, tanto o cerquei e o provoquei que antes de acabar o primeiro semestre e depois de uns beijinhos, ele me chamou para sair. Ah, você não sabe como fiquei radiante! A vontade era de sair contando para todo mundo, mas eu nunca faria isso. Nunca prejudicaria meu objeto de desejo.

Na véspera, mal dormi de ansiedade. Pudera. Eu era uma menina! Lembro até da roupa que escolhi: um vestido preto curtíssimo e uma capa preta - não ria, era moda. Sairíamos logo após as aulas, mas nos encontraríamos longe da faculdade. Nessa noite, ele até encerrou as aulas mais cedo. E aí começou minha presepada.

Ele encerrou a aula antes do horário para poder ir me encontrar antes. Não entendi e fui tomar uma cerveja com amigas para esperar dar a hora combinada. Eu já estava apavorada. E agoniada por não poder contar nada daquela consumição para ninguém.

Finalmente, chegou a hora. Com o coração aos pulos, fui encontrá-lo. Não sei dizer o porquê do medo, mas eu estava muito assustada. Dava um passo para frente e dois para trás. Queria desistir, enterrar minha cabeça na areia e sumir, mas não fiz nada disso. Continuei em direção a seu carro e entrei. Sentei com o corpo colado à porta. Ele ligou o carro, deu umas voltas e parou numa rua tão deserta que até alma penada teria medo de passar. Aí se danou tudo. Nem o cinto da calça dele eu conseguia enxergar. Não dê risada, estava muito escuro e você sabe que eu não enxergo direito.

No fim, não aconteceu nada. Ele, querendo manter a pose de superior, ainda me deixou em casa. E não quis me ver nunca mais. Fugia de mim como o diabo da cruz. Só porque amarelei.

Estou te contando isso porque quando fui me encontrar com você e eu sabia que não seria um simples encontro de amigos, também quase amarelei. Estive para desistir várias vezes. Passagem comprada, situação ajeitada e o coração aos pulos: "não vá, ainda dá tempo de desistir, você ainda não fez nada de errado".

Eu fui. E não me arrependi. Só sentia ter demorado tanto para acontecer. Mas dali para frente, seria outra história. Não foi. Para meu mais completo assombro, quem amarelou foi você.

Você vem atrás, provoca, instiga, mas - como meu professor de francês - foge de mim como o diabo da cruz. Estranho este comportamento vindo de um homem tão mais velho e que eu julgava tão seguro de si. Mesmo assim, continuei gostando tanto de você. Tão envolvida, se você soubesse! Sempre esperando por uma palavra, um gesto, um sinal vindo de você e que mudasse o curso dessa história.

E tudo o que você me dá é uma atenção que faz eu me sentir suja. Que me faz quase desejar não ter te conhecido.

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