Tema 189 - ANGÚSTIA
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ANGÚSTIA DE REENCONTRO
Cristina Faga

Não podia ser verdade! Fixei os olhos naquele homem e confirmei a primeira impressão. Tantas vezes a cena vislumbrada em pensamento. E agora, depois de quatorze anos, quatorze anos... a possibilidade de um reencontro.

Pior não era o lugar onde se realizava: um ônibus elétrico, macio e silencioso e felizmente lotado, mas o impulso quase irresistível que me impelia até ele com um sorriso aberto nos lábios e no coração. Precisei de grande esforço para recordar as humilhações, o rastejar, o "pé-na-bunda-bem-dado" que ele desferiu. E mesmo assim, ainda depois de quatorze anos, a força insana de me atirar em seus braços como se nada, simplesmente nada tivesse acontecido.

Ajeitei-me entre as pessoas no meio do corredor, virada para o lado oposto onde ele estava, embora soubesse que para descer do ônibus teria que passar por ele. Com muita sorte, não me veria. Mas como não me ver!? E perder a chance de olhar nos seus olhos e medir a falta que fiz na sua vida? Há! Mas quanta pretensão! Foi ele que me deu o fora. Eu que pastei para esquecê-lo e pelo que pude apenas constatar, tinha dúvidas se, de fato, o tinha esquecido.

Parecia o mesmo. Nem dava para enxergar se tinha engordado. Homens engordam só no abdomem. Mulheres envelhecem no rosto e logo dá para ver todo o sofrimento na quantidade de linhas de desilusão. Olhei-me no vidro do ônibus. A imagem que nele refletia não mostrava rugas no rosto. Só o sorriso imbecil pela proximidade de um reencontro. Um reencontro prestes, mas ainda não realizado.

E por que minhas mãos suavam frio? Só então me dei conta de um abafamento, o ar não entrava pelas janelas. Estavam abertas! Por que o coração batia apressado? Se falasse com ele naquele momento, gaguejaria. Eu sei que sim! Cuspiria alguma saliva em sua face. Pediria desculpas. Ele saberia que estava sem jeito e isso o deixaria feliz. Como sou tonta! Não aprendo nunca com a vida!

Olhava de relance para ele, parado perto da porta. Certamente esbarraria nele e sentiria seu cheiro. Gostava do seu cheiro. Mas não sabia dizer exatamente do que ele me lembrava. Estava docemente intoxicada naquela época. E agora, a um passo de uma recaída estúpida, que nem dez anos a mais de terapia intensiva recuperariam minha autoestima e minha dignidade. E teria jogado todo tempo e trabalho que tivemos, eu e a psicóloga do estado, durante esses anos todos, no lixo.

O que diria se me perguntasse como tenho passado? O que responderia sem deixá-lo entrever minha miséria humana? Como fazer para mostrar que estava ótima, sem mágoas, sem ressentimentos? Nenhum ressentimento! E um bofetão saísse no lugar das palavras? Será que foi isso o que faltou para que pudesse esquecê-lo de vez? Um bom bofetão nas fuças?

Ah! Era mais fácil mentir. Mentiria descaradamente! Seria rica, teria um marido rico, seria empresária no ramo têxtil. Isso! O ramo da moda que ele detestava, falava que era a coisa mais fútil que existia na vida! Seria uma empresária de roupas de grife. E estaria neste ônibus porque... porque... porque não era esnobe!

Teria um filho! Não, dois. Teria dois filhos. Melhor se fossem sete filhos. Sete filhos com um homem só... É preciso amar muito o marido para se ter sete filhos com ele!

Lançaria-lhe sorrisos gentis, uma vez aqui, outra ali, seria delicada e feminina como ele nunca tinha sido antes! Perguntaria sobre o pai, a quem amava sobre todas as coisas, esperando que dissesse que havia morrido. Lamentaria com uma pitada de alegria nos olhos e um muchocho bem estalado nos lábios. Eu o faria sentir meu ódio, com toda a finesse e boa educação.

Olhei pela janela, e vi que estava atrasada para descer do ônibus. Corri esbaforida, pedindo licença e abrindo passagem com minha bolsa. Quando ia esbarrar meu corpo no corpo dele, aconteceu de ele se sentar no lugar de outra mulher que também ia descer naquele ponto. No instante em que o tumulto acontecia, fui empurrada para fora do ônibus. Na calçada ainda o vi pedir as coisas que uma outra mulher carregava nas mãos. Era bem típico dele. Sempre existindo de um lugar mais confortável que os outros, sempre disposto a ajudar desde que não tivesse que mover um só músculo para isso.

O ônibus deu a partida. Ele não me viu. E senti-me tão humilhada e indigna como se o reencontro tivesse realmente acontecido.

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